Não conseguir escrever o próprio nome, não saber identificar que ônibus tomar, incapacidade para guardar recados extensos na memória são algumas das dificuldades que enfrentam as pessoas que não foram alfabetizadas. Em Fernandópolis, elas representam quase 10% da população e estão espalhadas por diversos bairros periféricos da cidade.
Esses excluídos pouco aparecem em cena, pois na maioria das vezes são idosos com problemas de saúde; mas, volta e meia, é possível presenciar no comércio, a cena de uma senhora de vestido longo, chinelo de dedos, bolsa apoiada no ombro, esforçando-se para molhar o dedo em uma carimbeira para imprimir sua impressão digital em um documento.
Para essas pessoas, ter o privilégio de um dia aprender a ler e escrever, é resgatar a esperança de um sonho perdido. Mas, já dizia Raul Seixas em uma de suas canções: sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só; mas sonho que se sonha junto é realidade. No início de agosto, o sonho de 267 pessoas se concretizou através do projeto Brasil Alfabetizado, um Programa do Ministério da Educação que foi implantado pela prefeitura, através da Diretoria Municipal de Educação.
A aposentada Delfina Teixeira Duarte é uma das protagonistas dessa história real. Aos 72 anos de idade, ela recebe os primeiros ensinamentos e já se empenha para aprender a escrever o próprio nome. Uma das vantagens do programa é que os alunos não precisam sair de casa, pois quem vai até eles é o professor.
Tenho muitos problemas de saúde e não consigo andar direito, então para mim está sendo uma maravilha receber a professora Mônica em minha casa. Durante toda vida tive o sonho de estudar, mas nunca pude. Uma das minhas maiores dificuldades é na hora de tomar um ônibus, afirmou.
Delfina que tem 11 filhos, 21 netos e 14 bisnetos - não participa sozinha das aulas. Uma de suas filhas - Lúcia Teixeira Fleire, que tem deficiência mental - também é alfabetizada através de um método diferente do que é oferecido à mãe.
Em uma outra casa, um casal João José Mariano, 79, e Noemia Barreto Mariano, 75 acompanhados de uma vizinha, Marlene Izídio da Silva, 51 - são alfabetizados por outro professor. Sempre tive dois sonhos na vida, o primeiro é estudar, o segundo, é ser costureira. Agora, através do professor Juliano, estou aprendendo a escrever e ler melhor. A companhia dele também nos alegra muito. Além de desfrutar de sua presença, a gente passa horas gostosas estudando, disse.
Já Marlene conta que a falta de estudo causou-lhe a perda de vários empregos de doméstica, por não saber anotar recados. Perdi muitos serviços, pois não sabia sequer anotar um recado. Cada vez que recebia um não ficava muito chateada. No passado, tive que catar muita sucata na rua para poder sustentar minha família, pois meu marido me deixou com três filhos pequenos. Se eu soubesse ler e escrever minha vida teria sido diferente. Quando vejo alguém escrevendo, me dá uma vontade grande de escrever também, concluiu.
Programa Brasil Alfabetizado
O programa Brasil Alfabetizado teve início no dia 03 de agosto. A proposta inicial do projeto era alcançar o mínimo de 150 alfabetizandos. No início, foram formadas 13 turmas que totalizavam 182 pessoas entre jovens, adultos e idosos. Atualmente, o projeto já conta com 267 alunos, 17 turmas e 14 educadores.
O trabalho não para por aí. Muitas pessoas têm nos procurado dizendo que ouviram falar do programa e que querem participar, disse a coordenadora do projeto, Diva Souza Fagnani.
Os trabalhos são desenvolvidos não só nas casas, mas em igrejas, centros comunitários e em Centros de Apoio Psico-sociais (CAPS´s). As primeiras aulas foram de testes cognitivos que indicaram o grau de alfabetização de cada aluno. A segunda etapa é o processo de alfabetização que tem duração de oito meses.
Nas próximas semanas, os alunos que estão com problemas de visão serão encaminhados às Unidades Básicas de Saúde para realização de exame oftalmológico e, em seguida, ganharão óculos de grau que darão melhores condições para o aprendizado.
Tudo isso é ter respeito com o ser humano que não teve a oportunidade de estudar. Os depoimentos que ouvimos dessas pessoas emocionam a qualquer um, afirmou a Diretora Municipal de Educação, Darci Marin.
Na próxima terça-feira, 8, em que se celebra o Dia Internacional da Alfabetização, Fernandópolis poderá comemorar a data com mais orgulho.