Rubens Guilhemat, paulista de Mogi das Cruzes, casado, pai de três filhos, ainda está um pouco assustado com o calor de Fernandópolis: Quando chego ao meu sítio, em Mogi, a primeira coisa que faço é recolher lenha e colocá-la perto da lareira; aqui, em pleno inverno, está esse calor todo!, impressiona-se.
Mas não é a nossa velha canícula o maior desafio para esse acadêmico, formado em Arquitetura e Urbanismo, com curso de Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura, especialista em Gestão Universitária e doutorando da Unicsul. Convidado para assumir o cargo de diretor acadêmico da FEF, Guilhemat tem a missão de transformar a fundação fernandopolense num Centro Universitário. Um repto que, ele não esconde, o fascina.
CIDADÃO: Como se deu a sua aproximação com a Fundação Educacional de Fernandópolis?
GUILHEMAT: Na verdade, fui convidado pelo Dr. Paulo Nascimento, no final de julho, em São Paulo. Ele revelou que havia uma vaga na direção pedagógica que hoje se chama direção acadêmica e, como eu fui, durante 15 anos, pró-reitor de graduação de uma universidade, a proposta era me contratar para participar de um grande projeto da Fundação que é a mudança de federação de escolas isoladas para um centro universitário. O convite é para participar desse processo de transformação.
CIDADÃO: Quais serão suas atribuições na FEF?
GUILHEMAT: As atribuições normais de um diretor acadêmico. Há a parte do MEC e a parte interna. No MEC, tramitam três tipos de processos: de regulação, que é a autorização ou reconhecimento de um curso, bem como a renovação do reconhecimento, o credenciamento e recredenciamento de uma instituição; de avaliação, que engloba o ENAD, um conceito chamado de preliminar de curso, relatório de avaliação interna e externa; e supervisão, que analisa os problemas na avaliação ou regulação aí, é instalado um processo de supervisão. Por exemplo, uma nota baixa no ENAD. Ao pesquisar sobre a FEF, encontrei a noção de que, nos processos de regulação, ela está muito bem, porque foi uma das primeiras escolas a passar pelo processo de recredenciamento. Hoje, isso é um bicho-papão em todo o Brasil. E veja só: num universo de 0 a 5, ela tirou nota 4, e o relatório faz elogios à FEF. Ao analisar os cursos, encontrei um curso de Enfermagem com nota 5, ou seja, a nota máxima. Há outros cursos com nota 4. Na questão da avaliação, vi que o curso de Fisioterapia tem uma nota altíssima. O curso foi tão bem na avaliação do ENAD que o MEC autorizou a liberação da portaria de reconhecimento sem visitar a instituição. Claro que há cursos com nota baixa. Farmácia, por exemplo. Quando isso acontece, instala-se um processo de supervisão. Há 15 dias, a comissão fez um relatório para o MEC dizendo que a nota baixa não foi da instituição e deu uma nota 4 ao curso de Farmácia. Acho que chegou o momento de aproveitar essa excelência para subir mais um degrau. Essa nova direção é: transformar tudo isso num centro universitário. Esse foi o motivo da minha contratação.
CIDADÃO: Qual é a diferença entre direção pedagógica e direção acadêmica?
GUILHEMAT: Na direção pedagógica, há uma pessoa que cuida exclusivamente da parte do ensino-aprendizagem. Essa é uma característica da escola isolada, que só trabalha com o ensino. Uma universidade ou centro universitário trabalha com o ensino, a pesquisa e a extensão. No meu caso, vou cuidar da parte de instrução, da parte de pós- graduação e da parte de ensino, enquanto que o diretor pedagógico cuidará só da parte de ensino.
CIDADÃO: Tanto a postura quanto a ação pedagógica dos professores universitários mudaram muito nas últimas décadas. Ele, professor, deixou a condição de mestre para se tornar uma espécie de norteador, ou seja, aquele que diz: Isso você encontra no site tal. Claro que estou criando um estereótipo, mas o que quero saber é: isso é bom ou ruim?
GUILHEMAT: Depende. Nós chamamos isso de um terço, um terço, um terço. Nem todo professor tem que trabalhar assim. Todo projeto pedagógico moderno tem essa divisão que citei. Um terço do corpo docente e um terço do projeto pedagógico da instituição preparam o aluno para o mercado de trabalho. É o professor que vai treinar o aluno, como ocorre no Senai, por exemplo. Mas, o terço restante é constituído de disciplinas de reflexão, porque tenho que formar o aluno, dizer-lhe: Você está sendo preparado para o mercado de trabalho; porém, na minha disciplina, quero que você conteste o mercado de trabalho. Que você não aceite o mercado de trabalho como ele é e proponha uma nova forma de trabalhar. Então, aí estará um professor mais provocador. Na área contábil, antigamente um professor falava assim: Quero que você faça um trabalho com os juros do Banco Central. Outra disciplina, mais teórica, dizia o seguinte: Vou ensinar-lhes como é que o Banco Central calcula juros. E aquele professor provocador vem e pergunta: O Banco Central é importante para o país? Leva à reflexão, ao senso crítico. Temos que formar o aluno também como cidadão. O estudante universitário tem que compreender sua importância no cenário do país, como multiplicador de informação.
CIDADÃO: Particularmente, como o Sr. vê as mudanças no ENEM? Qual será a atitude da FEF em relação a isso?
GUILHEMAT: Temos que seguir a legislação e também as tendências do mercado. Com relação às mudanças no vestibular, o ENEM tem se mostrado um bom processo de avaliação, porque não trabalha na base do conteúdo, e sim no pensar. O ENEM, assim como o ENAD, tem provas inteligentes, que levam o aluno a pensar. Ora, isso vai contra o que sempre pregaram os cursinhos, porque estes ensinavam em alta velocidade, para que o aluno passasse no vestibular, e em seguida esquecesse tudo. A ideia do cursinho antigamente era essa, e nem era sua culpa, porque o processo seletivo então em uso pedia isso. Os cursinhos já estão mudando. A proposta do ENEM é que o aluno bem preparado concorra em pé de igualdade com os alunos de cursinho. Enfim, para nós, o ENEM é um sistema de avaliação perfeito. As escolas particulares já estavam usando o ENEM como uma opção. O grande problema é que grande parte dos cursos superiores particulares, hoje, tem mais vagas do que candidatos. Isso é uma realidade, por causa da expansão das escolas. Falo expansão, não gosto da palavra proliferação. Se a Ford ou a GM instalar uma unidade aqui na região, falar-se-á em expansão da indústria automobilística. Agora, se montarem três escolas, falarão em proliferação do ensino superior...Mas, voltando ao assunto, nessa hipótese de mais vagas do que candidatos, não tem o menor sentido o processo seletivo. Só se faz por força de lei, mesmo. Eu prefiro, em vez de excluir o aluno pelo processo seletivo, deixar que ele ingresse na faculdade e fazer com ele um trabalho de nivelamento.
CIDADÃO: O Brasil decidiu incluir, há alguns anos, a matéria Ética nas grades dos diversos cursos. Em sua opinião, isso tem produzido os resultados esperados?
GUILHEMAT: Não. Como disciplina Ética, não. É a mesma coisa que aconteceu com a Informática: quando apareceu, todo mundo introduziu Informática na grade. Hoje, isso não existe mais. Percebeu-se que informática é ferramenta, e não disciplina. A Ética não pode ser tratada como disciplina. O máximo que se pode fazer é, lá no último ano, ensinar ética profissional, que é outra coisa. O aluno vai estudar o código de ética de sua futura profissão, do sindicato, dos conselhos. Agora, a ética como um todo é uma coisa que tem que permear toda a escola. A ética tem que estar em todas as disciplinas. Temos aqui um projeto que propugna que todo aluno que passar pela Fundação Educacional, a partir de 2010, não saia sem ter estudado uma vez na vida o Estatuto da Criança e do Adolescente. É uma coisa pontual. Também não deixaremos o aluno sair sem cursar uma disciplina chamada Empreendedorismo, porque queremos incentivar o aluno a ser um empreendedor, qualquer que seja o curso dele. São também questões pontuais. Agora, a ética é uma coisa que vem desde a família, o ensino fundamental, o médio. Postura ética é uma coisa mais ligada à educação geral do que à educação universitária. O que é preciso fazer é trabalhar nosso professor para que ele demonstre a relevância da ética em todos os atos das relações humanas.