Ao iniciar este texto, percebi que me esqueci de perguntar ao escritor e fotógrafo Wilson Granella qual é o seu cargo na Associação Filantrópica Henri Pestalozzi. Pouco importa: lá, ele é goleiro e ponta-esquerda, roupeiro e presidente do time. Há 18 anos, a Pestalozzi realiza um trabalho fantástico com jovens carentes da zona oeste de Fernandópolis trabalho que, sem a onipresença de Granella, talvez não existisse. Com seu jeito zen, Granella dedica praticamente todas as horas livres à instituição, que ele e os voluntários construíram literalmente com as próprias mãos. A sede da Pestalozzi é um lugar agradabilíssimo, que faz a gente perder a pressa de ir embora. Como é de costume na casa, a entrevista aconteceu com crianças borboleteando em volta do tio Granella na verdade, um pai para aquela centena de garotos fernandopolenses. (Vic Renesto)
CIDADÃO: Se você tivesse que definir, em breve relatório, o que é a Henri Pestalozzi, o que você diria?
GRANELLA: A Pestalozzi abriga crianças que têm necessidade do carinho, do abraço, acrescentado à boa alimentação, às boas orientações curriculares; isso num espaço com muito verde, fugindo um pouco do quadrilátero das paredes, conhecendo as plantas, vivenciando o jardim que a Pestalozzi construiu nesses últimos 18 anos no seu terreno do Parque das Nações. A criança, interagindo nesse universo, terá uma compreensão maior do mundo que a cerca, e, consequentemente, haverá de se tornar um ser humano melhor.
CIDADÃO: E qual é a gênese da instituição?
GRANELLA: Nós viemos para cá há 20 anos, encontramos este lado da cidade com muitos problemas sociais. Nessas duas décadas, muitas coisas mudaram para melhor. Quanto às necessidades que diziam respeito à formação do caráter das crianças, bem como as básicas alimentação, calçados, vestuários, encontramos pessoas dispostas a desenvolver esse trabalho, naquela generosidade que é comum ao povo fernandopolense. A demanda cresceu e nos obrigou a ampliar o espaço físico, o que foi feito no braço pelos voluntários. Assim, surgiu o espaço para a cozinha, o da biblioteca, o da sala de aula, a sala de costura, e por aí a coisa foi crescendo. Hoje, atendemos cerca de 100 crianças.
CIDADÃO: Quais são os critérios, como condições sociais, faixa etária, etc., para que a criança seja atendida pela Pestalozzi?
GRANELLA: Crianças da linha de risco porque nós atendemos o PETI, que é o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Oficialmente, as crianças teriam que estar na faixa de sete a 14 anos, mas nós temos os agregados, que são aquele irmãozinho mais novo, que acaba acompanhando o mais velho, fica para tomar um prato de sopa e termina ficando por aqui. O mesmo acontece na outra ponta. Vale ressaltar que, nesses últimos anos, algumas dessas crianças que cresceram conosco, de quando em quando retornam à instituição para passar um dia conosco, servindo de pequenos professores, orientadores voluntários que ajudam esses coleguinhas.
CIDADÃO: Como vocês administram a instituição? Há verbas governamentais?
GRANELLA: O PETI tem uma contrapartida da administração pública municipal quanto á alimentação. Temos dificuldades, como tantas outras entidades em Fernandópolis, na condução da manutenção da casa. Aqui alimentamos, vestimos e educamos; agora, a colaboração da sociedade fernandopolense é muito importante. Ela comparece na única campanha anual que fazemos, que é o chá beneficente, feito juntamente com outra entidade, e no transcurso do ano, a gente vai passando o chapéu, pedindo aos amigos. Há muitos amigos que conhecem a entidade e que acabam se antecipando, principalmente na doação de alimentos, o que ajuda a suprir a demanda das necessidades das crianças.
CIDADÃO: Como vai o seu pequeno horto? Parece que por aqui não está faltando chuva.
GRANELLA: Existe aqui uma criatura adorável que é o Roberto San, que como você pode ver, não para, cuida das crianças e das plantas, é um excelente voluntário que está conosco já há vários anos. O Roberto cuida muito bem do jardim, como se estivesse cuidando das plantas da casa dele. Esses serviços eu também executo. E olha, mesmo nesse período de seca, em que isso não é muito adequado, nós continuamos plantando árvores. Esses dias mesmo, nós plantamos jequitibás, mais alguns ipês e paineiras. Fazemos isso para que as próximas gerações possam encontrar este lugar mais interessante do que ele é hoje.
CIDADÃO: O trabalho de vocês tem dado bons frutos, no sentido do encaminhamento dos jovens para o mercado de trabalho e a vida em sociedade? Você pode dar exemplos?
GRANELLA: Temos crianças e adolescentes que já saíram daqui pelo imperativo da idade, foram para a antiga Guarda Mirim, tanto meninos quanto meninas, e lá seguiram para as atividades no comércio. Hoje é comum encontrarmos meninos e meninas que estiveram vários anos aqui conosco e que estão hoje empregados no comércio local. Vale também ressaltar uma das propostas da Pestalozzi: tirar aos poucos a violência dessas crianças. Hoje encontramos homens e mulheres com famílias constituídas que passaram por aqui um dia. Se antes moravam num barraco revestido de placas de out door, hoje moram numa casinha asseada. Então, foi válido esse suporte pequeno ainda, mas sempre um suporte no inicio da vida desses pequenos fernandopolenses que nos buscaram num determinado dia do passado.
CIDADÃO: Você sabe que é tido como um segundo pai para essas crianças para algumas, é o único que elas conhecem. Na semana do Dia dos Pais, qual é a sensação que isso lhe causa?
GRANELLA: Muitas vezes, aqui debaixo dessas árvores, eu me peguei um pouco desanimado, achando que remava contra a maré. As décadas se passaram e hoje estou convencido de que valeu e vale a pena trazer para sua proximidade esses corações, essas almas necessitadas. Diga-se de passagem: todos nós somos necessitados, mesmo que tenhamos milhões de dólares nos bolsos. Todos nós dependemos um do outro, como uma imensa malha de linhas que se interligam. O abraço dessas crianças, o carinho, muitas vezes até a peraltice dessas crianças fazem com que as inquietações que me visitam a alma desapareçam. Hoje sou um tio menos inquieto, mais calmo, porque vejo essas crianças circulando ao nosso redor e constato que tudo valeu e continuará valendo a pena. Isso você vai sentindo claramente, tendo o feedback não só do meu trabalho pessoal, mas de todos os voluntários que ajudaram a construir e manter esta casa. Sinto-me então profundamente gratificado porque tenho aprendido mais com eles, tenho me tornado uma pessoa melhor em contato com essas crianças.
CIDADÃO: Como devem proceder as pessoas que quiserem colaborar com a Pestalozzi?
GRANELLA: Nós aceitamos todo tipo de colaboração: roupas, calçados, alimentos. Mas o importante disso tudo seria que a pessoa que esteja disposta a aquiescer aos nossos apelos, que viesse à entidade, mesmo que por cinco minutinhos. A gente sabe do corre-corre diário, mas gostaria que dessem esses minutinhos de seu tempo para conhecer não só a Pestalozzi, mas também as inúmeras entidades de Fernandópolis, que atendem ao próprio fernandopolense necessitado; aí, em contato com a entidade, essa pessoa, com a sua percepção, terá a capacidade de sentir o que a instituição estaria necessitando. A Pestalozzi fica na Rua Itália, nº 88, no Parque das Nações.