Quando chegou a Fernandópolis no final de 2005, para conhecer o campus VII da Universidade Camilo Castelo Branco, da qual se tornara reitor, o professor Gilberto Luiz Moraes Selber, um paulista de Aguaí, ficou desalentado com as referências negativas que recebeu sobre o iniciante curso de Medicina. Não vai vingar, diziam. O reitor arregaçou as mangas, pôs a instituição nos trilhos e deu atenção especial ao curso de Ciências Médicas. Nesta semana, Selber ajudou a entregar os primeiros diplomas aos médicos formados em Fernandópolis um momento histórico e que emocionou a comunidade. A cidade deve mais essa ao dinâmico educador.
CIDADÃO: A Unicastelo forma hoje sua primeira turma do curso de Medicina. Qual é a sensação que fica para o reitor?
SELBER: Eu diria que, mesmo tendo uma larga experiência em universidades, sinto uma sensação ímpar, porque é a primeira turma de formandos em Medicina da Unicastelo. Compreendo perfeitamente a importância que isso tem para a universidade, para Fernandópolis e toda a região, especialmente porque, quando cheguei aqui, no finalzinho de 2005, ouvi algumas pessoas dizerem que era impossível dar continuidade ao curso de Medicina. Alunos, professores e a sociedade de uma maneira geral colocavam em dúvida a possibilidade de, um dia, a gente conseguir formar médicos em Fernandópolis pela escola da Unicastelo. Estabeleci como uma das minhas prioridades fazer do curso uma realidade, e que tivesse uma formação médica adequada e fosse bem reconhecido pela sociedade, pelo MEC e assim por diante. Hoje vejo que eu estava certo, porque fomos superando cada dificuldade e isso trouxe a credibilidade que possibilitou que um conjunto enorme de pessoas trabalhasse junto e a gente tivesse essa realidade. Vou citar uma dessas dificuldades: quando essa mesma turma que se forma agora estava no 8º período, os alunos me disseram que não acreditavam no internato. Eles achavam que o internato não iria acontecer. Isso tornou o desafio ainda maior. Nós organizamos o internato, em parceria com a Santa Casa e a prefeitura, e hoje temos um programa de internato que é modelar para as faculdades de Medicina de todo o país. Nosso aluno está passando por todas as áreas, recebendo uma formação com as preceptorias e com os orientadores de primeira qualidade. Enfim, a minha sensação é praticamente a de estar tendo um primeiro filho.
CIDADÃO: No cômputo geral, o curso está alcançando os objetivos e o nível propostos pela universidade?
SELBER: Sem dúvida. Tivemos que reformular muita coisa, como o projeto pedagógico do curso, inserir outras disciplinas, mudar os rumos do curso de Medicina que havia antes, cujo modelo era insustentável para esse curso, dado o seu caráter elitizante. Hoje nós temos um modelo de formação médica que é voltado para a saúde pública, que é o que o MEC preconiza e a sociedade necessita; além disso, é também a vocação da Unicastelo. O que fiz foi aproximar essa vocação daquilo que a sociedade reclama.
CIDADÃO: Numa universidade, o curso de Medicina é uma espécie de blue ship, porque tem milhares de candidatos inscritos e garantia de turma completa?
SELBER: Claro, porque é muito procurado e cada vez mais esse curso vai se notabilizar pelas inovações que estamos fazendo.
CIDADÃO: Nesses quase quatro anos à frente da instituição, quais foram as suas maiores vitórias?
SELBER: Acho que a grande vitória desse período foi fazer com que a Unicastelo voltasse a ter a credibilidade que ela teve outrora e acabou perdendo. A credibilidade é uma coisa muito importante no momento em que a sociedade confia na instituição. As estruturas organizadas confiam na instituição nos seus professores, seus alunos, funcionários e sobretudo os órgãos regulatórios acabam por dar um selo de qualidade que é o que acabou de acontecer, porque a Unicastelo tirou nota 4 na avaliação do MEC, onde o máximo é 5. A nota 4 é uma avaliação muito boa, isso equivale a sair de próximo de zero para muito bom.
CIDADÃO: O que a Unicastelo projeta para os próximos anos, relativamente ao campus de Fernandópolis?
SELBER: O campus de Fernandópolis ainda pode ter um desenvolvimento maior, tanto em número de alunos quanto em quantidade de cursos e até mesmo nas áreas de pesquisa e pós-graduação. É lógico que, quando se fala em desenvolvimento, este tem que ser sustentável. Nós enfrentamos hoje uma crise grande no país em termos de captação de novos alunos porque houve uma diversificação muito grande na oferta de cursos. Para fazer esse desenvolvimento, é preciso procurar mecanismos de atração do estudante e, nisso, Fernandópolis é pródiga, porque é uma cidade boa de se viver, com um povo acolhedor. Todos os alunos que vêm de fora para cá dizem que encontram uma espécie de segundo berço na vida deles. Isso é fundamental, porque eles acabam se integrando à vida social da cidade e se fixando aqui ou na região. Isso impulsiona o desenvolvimento. Alguns setores, como a pós-graduação stricto sensu, por exemplo, tem que gerar conhecimento e ainda estender esse conhecimento à sociedade. Isso é mais difícil porque a pós-graduação stricto sensu e a pesquisa demandam um esforço de investimento muito grande seja em pesquisadores, em laboratórios, etc. O que eu vislumbro para o futuro é crescer nessa perspectiva. Nós já estamos fazendo pesquisas aqui na Unicastelo que terão impacto muito importante no desenvolvimento inclusive na questão da cana-de-açúcar, já que Fernandópolis é o quarto pólo do Estado de São Paulo no setor sucroalcooleiro. Em breve, nossas pesquisas impulsionarão a produtividade nessa área. Dessa forma, a Unicastelo cumpre um papel decisivo de fazer com que aquilo que faz parte da sua região como impulso econômico, a universidade tem que estar presente e auxiliar nesse desenvolvimento.
CIDADÃO: O sr. estudou num tempo em que a vida no campus universitário era fervilhante. Por que isso não acontece mais no Brasil?
SELBER: Na verdade, ocorre o seguinte: na nossa época a universidade era considerada um dos últimos redutos onde o jovem questionava o governo, o status-quo, as relações entre gerações. O país vivia sob a égide da ditadura. As pessoas eram caladas, sufocadas. Assim, o campus universitário representava uma forma de expressão da juventude. Lembro-me das passeatas de que participei, levantando bandeiras democráticas. Hoje, o jovem não tem mais essa preocupação, porque felizmente não viveu sob uma ditadura feroz como naquela época. Então, o campus passa a ter outra conotação que a gente tem que desenvolver que é a convivência voltada para a cultura, o lazer e o aprendizado, e não mais para a contraposição a um sistema, embora ainda hoje a gente viva, nos governos instituídos, momentos em que é preciso contrapor. Haja vista para o que está acontecendo no Senado Federal. É inaceitável num país como o nosso que haja políticos que não respeitam a sociedade.
CIDADÃO: Qual é a sua opinião quanto às mudanças produzidas pelo Ministério da Educação no ENEM?
SELBER: Nós estamos em pleno debate sobre essas questões. Desde maio deste ano sou o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras. Represento 144 universidades no Brasil, e posso garantir que há um forte debate a respeito da utilização do ENEM como critério de ingresso nas universidades. Em tese, não sou contra, acho que a gente tem que aproveitar um trabalho bastante responsável que vem sendo feito pelo MEC de avaliação do Ensino Médio e de avaliação do Ensino Superior também. Agora, há muitas questões ainda em aberto, porque quando você aproveita um sistema de ingresso que é feito através de um órgão sobre o qual você não tem responsabilidade, há que se ter garantias de uma série de coisas; uma delas é a segurança. Até que ponto ainda temos segurança de que o ENEM retrate exatamente aquele aluno que está melhor preparado? Tem muitas coisas questionáveis. Acho que se está dando um passo importante, e isso tende a chegar num denominador comum, onde as universidades realmente vão utilizar o ENEM, mas há muitos problemas a serem superados.
CIDADÃO: Há comentários na cidade de Fernandópolis segundo os quais a Unicastelo iria incorporar a FEF. Isso tem algum fundamento?
SELBER: Quisera fosse possível (risos). Respeito muitíssimo a FEF, acho que ela tem uma história fantástica nesta região. O que existe de fato é uma parceria muito forte. Logo que cheguei aqui, uma das perguntas que fiz para o pessoal era por que a Unicastelo tinha tão poucos alunos. Naquele tempo, tínhamos menos de 800 alunos. Alguém me disse o seguinte: É que a FEF leva todos os nossos alunos. A partir dali, começamos um trabalho de relações com o sr. Luiz Vilar, que na época era o presidente da FEF, e chegamos até a fazer vestibular juntos. Fiquei muito feliz por termos conseguido sair da rixa que havia entre as duas instituições para uma parceria e fomos em busca do bem comum para elas. E qual é esse bem? É fazer com que Fernandópolis seja reconhecida como uma cidade voltada para a academia, o ensino superior. Não é qualquer cidade com 70, 80 mil habitantes no país que tem duas instituições como as nossas: uma Universidade e um Centro Universitário do porte da FEF.
CIDADÃO: A Unicastelo vai acolher a sugestão da Secretaria Estadual de Saúde e adiar o reinício das aulas por causa da gripe suína?
SELBER: Está saindo hoje (quinta-feira) uma portaria nossa: adiamos para o dia 10 de agosto o reinício das aulas. E quero dizer o seguinte: constituí na Universidade comitês de saúde, que estão trabalhando com os nossos profissionais da área para obter uma ação efetiva de acompanhamento de todos os eventuais casos que possam surgir de suspeita da doença dentro da instituição.