Decreto para exploração da Expô é alvo de polêmica

20 de Agosto de 2025

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Decreto para exploração da Expô é alvo de polêmica
A prestação de contas da Exposição Agropecuária, Comercial e Industrial de Fernandópolis, que por disposição legal deve ocorrer no máximo 60 dias após o encerramento da festa, poderá esclarecer alguns dos muitos pontos obscuros do Decreto nº 5708, de 1º de abril de 2009.



O Decreto, assinado pelo prefeito Luiz Vilar de Siqueira, conferiu à Associação dos Expositores Agropecuários, Industriais e Comerciais da região de Fernandópolis - a chamada “Cia da Expô” – a exploração, a titulo gratuito, da tradicional festa fernandopolense. Surpreendentemente, porém, o artigo 6º dispõe que “As despesas de custeio, conservação e manutenção do parque (...) correrão por conta da Associação Beneficiária, o que não impede que a Prefeitura execute obras e serviços necessários, de forma suplementar, no referido recinto, seja com recursos próprios, seja através de convênios firmados com o Estado ou a União (...). No mesmo Decreto, Vilar nomeou seu vice, Paulo Biroli, presidente da Expô por quatro anos.



Para o vereador José Carlos Zambon, a concessão gratuita “é até aceitável, desde que não haja ônus para o Município”. Zambon surpreendeu-se com o detalhe citado no parágrafo acima: “Definitivamente, a Prefeitura não pode mais gastar dinheiro com essa festa. Na Legislatura passada, fomos favoráveis à terceirização da festa, justamente para acabar com esses gastos”.



Zambon disse que vai aguardar o balancete da festa, para então arguir sobre esses detalhes: “O prefeito assinou esse Decreto, que não passou por autorização legislativa. Vamos esperar a prestação de contas”, disse.





Para juristas, decreto “fere princípios constitucionais e legais”



O parecer abaixo – que, por sua qualidade técnica, poderia até ser atribuído ao grande Hely Lopes Meireles – na verdade é da lavra de juristas da região, consultados pelo jornal. O parecer, em síntese, detecta sérias irregularidades formais no texto promulgado por decreto pelo prefeito de Fernandópolis.



“O patrimônio público municipal é formado por um complexo de bens, incluindo coisas corpóreas e incorpóreas. São bens de toda natureza que podem ser utilizados ou alienados pela Administração, conforme o seu interesse. O conceito de bem público abrange tudo aquilo que tenha valor econômico ou moral e seja suscetível de proteção jurídica.



Sabe-se que o Código Civil, no art. 98, reparte os bens em públicos e particulares. Públicos são os de domínio nacional, pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios, autarquias e fundações públicas. Particulares, são todos os outros.



Todos os bens vinculados ao Município ficam sujeitos à sua administração. Aqueles que são vinculados por relações de domínio são os chamados de domínio público; e aqueles que são vinculados por relações de serviço são os chamados de patrimônio administrativo. Os de domínio público são de uso comum do povo, compreendendo todos os locais abertos gratuitamente à utilização pública, como as ruas, os rios, os mares, as calçadas, as estradas etc.; os do patrimônio administrativo são de uso especial. Uma praça é um bem de domínio público; o Recinto de Exposições “Dr. Percy Waldir Semeghini é um bem de uso especial.



O Município tem o poder de utilizar seus bens e o dever de conservá-los, mas para mudar a sua destinação necessita de autorização legislativa. É possível a Administração atribuir à determinada pessoa o uso especial do bem, para fruir desse bem público com exclusividade, mediante condições convencionadas. Embora ninguém tenha o direito natural a uso especial de bem público, qualquer pessoa, natural ou jurídica, poderá obtê-lo através de contrato ou ato unilateral da Administração, como um decreto. Dependendo da legislação municipal, tal permissão pode ser autorizada exclusivamente através de lei específica, ou de regulamento, ou simplesmente consentida pela autoridade competente. As formas administrativas para o uso especial de bem público por particulares variam desde a simples e unilateral autorização temporária de uso e permissão de uso, até os formais contratos de concessão de uso e de concessão de uso como direito real resolúvel.



Autorização de uso é o ato negocial, unilateral, discricionário e precário, pelo qual a Administração consente na prática de determinada atividade individual incidente sobre um bem público, como, por exemplo, a de instalação de um circo. Não tem forma nem requisitos especiais para sua efetivação, pois visa apenas a atividades transitórias e irrelevantes para o Poder Público, bastando que se consubstancie num ato escrito do prefeito, revogável sumariamente a todo tempo e sem qualquer ônus para o Município. Tais autorizações não geram privilégios contra a Administração, ainda que remuneradas e fruídas por muito tempo.



Permissão de uso é o ato negocial, unilateral, discricionário e precário, através do qual a Administração faculta ao particular a utilização privativa de determinado bem público. Como ato negocial, a permissão pode ser com ou sem condições, gratuita ou remunerada, por tempo certo ou indeterminado, conforme o estabelecido no termo próprio, mas sempre modificável e revogável unilateralmente pela Administração quando o interesse público o exigir.



A permissão pode ser deferida pelo prefeito, mas sempre precedida de licitação, conforme estabelece o art. 2º da Lei 8.666/93, o que não ocorreu na hipótese em análise.



Concessão de uso de bem público é o contrato administrativo pelo qual o Poder Público atribui a utilização exclusiva de um bem de seu domínio a um particular, para que o explore por sua conta e risco, segundo a sua específica destinação. O que caracteriza a concessão de uso das demais é o caráter contratual e estável da utilização do bem público, para que o particular concessionário o explore consoante a sua destinação legal e nas condições convencionadas com a Administração concedente.



A cessão de bem público é um ato de transferência precária de direito, uso e/ou posse de alguma coisa pertencente ao patrimônio estatal.



A Lei Orgânica do Município de Fernandópolis, art. 77, prescreve que “o uso dos bens municipais por terceiros poderá ser feito mediante concessão, permissão ou autorização, conforme o caso e o interesse público o exigir”, acrescentado seu § 1º que a concessão administrativa, que é o gênero do qual a permissão é a espécie, “dependerá de lei e concorrência e será feita mediante contrato”. Já o § 3º desse mesmo artigo 77 informa que “a permissão de uso, que poderá incidir sobre qualquer bem púbico, será feita a título precário, através de decreto”. A “Cia. da Expô”, no caso em análise, é o terceiro, isto é, não é a Administração Pública ou órgão dela, mas uma entidade particular.



Dentre os absurdos do Decreto nº 5.708, de 1º de abril deste ano, está o parágrafo único que atribui oficialmente ao vice-prefeito a presidência do evento “Exposição” que se realizarem durante o período da permissão, visto ferir o art. 37 da Constituição Federal que sacramenta os princípios rígidos que comandam a Administração Pública em todas as suas esferas: legalidade, impessoalidade, moralidade, dentre outros, que são de observância obrigatória e permanente.



O princípio da legalidade está ferido com a contrastação ao art. 77 da Lei Orgânica Municipal, que impõe a autorização legislativa para a transferência a terceiros do uso privativo de bem público; o administrador público está sujeito aos mandamentos da lei e as exigência do bem comum; o da impessoalidade, por nomear sem justificativa e sem competência para tanto, pessoa que será o presidente das exposições a realizarem no período da permissão, caracterizando o sentido de promoção pessoal de autoridade (o vice-prefeito), vedada pelo § 1º do já citado artigo 37 da Constituição; e o da moralidade pela óbvia escolha política, desprezando o elemento ético de sua conduta”.