A peruana Rosa Marina Zarate Vilchez se considera filha do Pró-Álcool: foi por conta do programa brasileiro de energia renovável que seu pai, um engenheiro químico, veio para o Brasil na década de 70 (quando a filha tinha seis anos de idade) para trabalhar no Grupo Atalla. A mudança, que deveria durar apenas dois anos, acabou se tornando definitiva. Nascida em Trujillo, Rosita, como é conhecida, é a caçula da família e única mulher (seus irmãos, dois engenheiros e um médico, também moram no Brasil). Formada em Engenharia Civil pela UNESP de Ilha Solteira, mãe dos gêmeos João Guilherme e Maria Victoria, desde 2002 ela leciona na Unicastelo e adotou Fernandópolis como sua cidade. Na universidade, ela é referência quando se fala em ecologia e meio ambiente. No próximo dia 5, Rosita fará uma palestra aberta ao público para os vereadores do município, dentro das comemorações da Semana do Meio Ambiente. Antes, porém, ela falou ao CIDADÃO.
CIDADÃO: Porque você escolheu a carreira de engenheira, uma profissão normalmente reservada aos homens?
ROSITA: Justamente por isso. Meu pai é engenheiro, fui criada com três irmãos homens, sou a única mulher. Eu não aceitava aquela imposição do tipo: você é menina, então tem que fazer tal coisa. Procurando na adolescência uma profissão com a qual eu me identificasse, acabei optando pela engenharia, até porque eu gostava de matemática. Prestei o vestibular da UNESP e entrei em terceiro lugar em Ilha Solteira. Naquela época nós morávamos em Jaú.
CIDADÃO: Onde você nasceu?
ROSITA: Nasci no Peru, na cidade de Trujillo, no Departamento de La Libertad. Viemos para o Brasil quando eu tinha 6 anos, na época do Pró-Alcool. Meu pai foi contratado pelo grupo Atalla e fomos morar em Porecatu, no Paraná. Em princípio, deveríamos ficar só dois anos no Brasil. Interessante que, na época, praticamente todos os funcionários eram estrangeiros alemães, americanos, africanos. A mão-de-obra era constituída principalmente por chilenos. Eles moravam numa espécie de Cohab construída para esse fim. Porecatu, que era uma cidade pequena, virou uma verdadeira Babilônia. Isso aconteceu na década de 70. Ficamos lá até 1982, quando meu pai foi transferido para Jaú.
CIDADÃO: Qual é a sua área de especialização?
ROSITA: Gosto muito de trabalhar com qualidade ambiental, mas, como se sabe, nem sempre a gente pode trabalhar na área que escolhe. Quando fui fazer o mestrado, meu interesse era a questão da qualidade da água, a influência da implantação de uma sessão de tratamento de água num recurso hídrico. Fui trabalhar com isso em Santa Fé do Sul. Depois, surgiu a oportunidade de trabalhar em Fernandópolis, e vim lecionar na cidade. Logo em seguida, a Unicastelo passou por algumas dificuldades e eu dei aulas em várias áreas: segurança do trabalho, física, arquitetura, gestão ambiental, informática... A engenharia civil proporciona essa possibilidade, você pode trabalhar em diversas áreas. Atualmente, o que eu mais gosto é gestão ambiental, ciência do ambiente e ecologia, que na verdade é um preparo para inserir os alunos na área ambiental. Antes de começar a trabalhar com a gestão, precisamos conhecer o meio em que vivemos. É preciso conhecer o meio para aplicar as tecnologias mais apropriadas. Só assim se alcança o tão almejado desenvolvimento sustentável.
CIDADÃO: Tecnicamente, o que é sustentabilidade?
ROSITA: Fala-se muito em desenvolvimento sustentável, mas acredito que poucas pessoas saibam com propriedade o que é isso. Muitos confundem a sustentabilidade com o auto-sustentável. Antigamente falava-se em agricultura auto-sustentável, que é aquela em que se colhe e se usa a colheita para o próprio sustento, ou seja, a cultura de subsistência. A sustentabilidade é a utilização dos recursos naturais de modo racional, para que se continue tendo esses recursos indefinidamente. O desenvolvimento sustentável é a utilização dos recursos naturais de forma que as gerações futuras encontrem esses recursos da mesma forma que os encontramos ou até melhores. São três vertentes: o equilíbrio ecológico, o desenvolvimento econômico e a equidade social.
CIDADÃO: Na busca por fontes de energia renováveis, o Brasil desenvolveu a técnica de produção do etanol, extraído da cana-de-açúcar. Qual é o impacto ambiental que pode advir desse tipo de economia agrícola?
ROSITA: O problema do crescimento das lavouras de cana-de-açúcar é a monocultura. Os proprietários de terras atualmente deixam de produzir outras lavouras para arrendar a terra para o cultivo da cana. Os impactos são o empobrecimento do solo, as queimadas. Nessa época é fácil perceber a fuligem que vem das queimadas. Isso provoca alergias e outras doenças respiratórias. Na verdade, esses impactos vão se tornando tão naturais que a gente nem percebe mais. Uma das ferramentas para o desenvolvimento sustentável seria o licenciamento ambiental. Todo empreendimento que utilize recursos naturais e seja uma fonte potencial de poluição precisa de um licenciamento ambiental antes de começar a produção. É feito um estudo para saber quais serão os impactos provocados por essas indústrias. Então, antes de qualquer atividade, é preciso ter licenciamento prévio, que analisa a área, as instalações e os impactos propriamente ditos. Existem vários métodos para fazer esse estudo. Depois vem o licenciamento de operação, que irá monitorar esses impactos e também os resíduos provindos desse empreendimento. São o EIA (Estudo de Impacto Ambiental) e o RIMA (Relatório de Impacto no Meio Ambiente). É o produto do estudo realizado. Munido dessas informações, você poderá propor medidas mitigadoras, que minimizam ou até extinguem os impactos. Veja bem, essas questões são gerais, não se referem apenas à cana-de-açúcar. É questão de conscientização da população. Existem leis e protocolos a serem cumpridos. A Constituição Federal nos garante o direito de viver num mundo ecologicamente equilibrado. É um direito que temos, mas é também uma obrigação. Enfim, são questões ligadas diretamente à educação ambiental.
CIDADÃO: O fato de ter plena consciência dos riscos que a humanidade corre por conta dos problemas ambientais a deixa alarmada? A possibilidade do caos a assusta?
ROSITA: Eu tenho dois filhos, e evidentemente me preocupo com o futuro deles. Penso que, além da educação tradicional, temos que educá-los com relação ao meio ambiente. Na verdade, em muitos casos são as crianças de hoje que começaram a receber essa educação aos 4 ou 5 anos que impedem a gente de passar no sinal amarelo, por exemplo, ou jogar um papel na rua. Só que esse aprendizado tem que ter aplicação diária, tem que se transformar numa rotina, e não só nas épocas das campanhas ambientais. Ao final, são elas, as crianças, que vão gerenciar o meio daqui a 15 ou 20 anos. Eu não perco a esperança nas pessoas, porque acho que o homem felizmente ou infelizmente é um animal que se adapta em qualquer situação. Só que isso tem limite. Veja o caso dos animais que correm risco de extinção: eles só se reproduzem em cativeiro quando conseguimos reproduzir o seu meio ambiente na íntegra. A natureza tem uma grande capacidade de se recompor; só que essa capacidade também tem os seus limites. A questão da água, por exemplo: o Brasil é privilegiadíssimo, possui 23% da disponibilidade hídrica mundial. Com relação à quantidade de água, por enquanto estamos tranqüilos, mas já há muitos lugares do mundo, como no oriente médio, onde se faz a dessanilização da água do mar. Quer dizer: quantidade de água nós temos, o problema é cuidar da qualidade.
CIDADÃO: Do ponto de vista da formação profissional, você acha que os cursos superiores voltados para a questão ambiental são uma boa opção para o estudante que ainda não definiu o que quer fazer?
ROSITA: Acho que sim. Hoje há uma gama enorme de cursos nessa área. Só que, como em tudo na vida, você tem que gostar e se preocupar realmente com a questão ecológica. Creio que se você é do tipo de pessoa que considera o ecologista um ecochato, deve procurar outro caminho. A luta pela preservação do meio ambiente não é uma utopia. As carreiras voltadas para o setor são promissoras, sim.