Toque de recolher

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Toque de recolher
Quero aproveitar o calor da discussão sobre a decisão judicial “toque de recolher” para menores, adotada em algumas cidades do interior de São Paulo (Fernandópolis, Itapurá, Ilha solteira, Mirassol), para refletir sobre a missão da família e o relacionamento dos pais com seus filhos. Há vozes contrárias a este mandado judicial. Porém, prefiro ver o aspecto positivo desta decisão, já que não se deve pré-julgar uma decisão que ainda não foi experimentada. Com certeza, esta é uma decisão que encontrará obstáculos para sua aplicabilidade. Porém, pelo que me consta, o juiz não desconsiderou o papel fundamental da família no processo educativo dos seus filhos.

Muito pelo contrário, a decisão é um convite para que pais e filhos passem mais tempo juntos nos momentos de descontração e lazer da família, pois, muitas famílias se ressentem, hoje, com a falta de momentos de descontração sadia e revitalizadora. O individualismo alastrou-se por todos os setores da vida, sobretudo, na família, isolando e fechando pais e filhos em suas residências. Há um consenso nas opiniões de especialistas de que cabe à família fixar limites para seus filhos e filhas.

É preciso lembrar que a família perdeu sua força educadora. Os pais tem dificuldades em estabelecer limites para os filhos, em parte, pela falta de coerência e bom exemplo. Vale lembrar que no processo educativo, o que mais incentiva o crescimento de uma criança é o testemunho do adulto. Ao lado disso, falta aos adolescentes a compreensão sobre a autêntica liberdade. O adolescente não está maduro para o uso da liberdade, porquanto, liberdade autêntica não é fazer o que se quer, mas o que se deve fazer.

Muitos pais tentam comprar o afeto dos filhos, ou quem sabe, compensar a omissão, dando tudo que o filho pede. O pai nunca diz ”não”, com medo de magoar o filho e, com isso, forma pessoas egoístas para o mundo. Estes filhos, com certeza, não saberão lidar com as perdas e frustrações impostas pela vida. Ao lado disso, o secularismo e o consumismo que penetraram na família levaram muitos pais a viverem só para si mesmos e para o trabalho, deixando os filhos aos cuidados de instituições educativas ou de terceiros.

Na verdade muitas famílias já terceirizaram a educação dos filhos! Ora, o distanciamento dos pais da tarefa educativa tem conseqüências nefastas, levando um número cada vez maior de crianças e adolescentes à dependência química, à busca de compensações eróticas ou outros tipos de desvios. É por isso que a família precisa, hoje, da ajuda do estado para cumprir sua missão de ser a célula mãe da sociedade. Assim afirmou o grande teólogo e filósofo S. Tomás de Aquino: “A família é como o útero social, que vai engendrando e desenvolvendo os filhos, até sua maioridade, para entregá-los ao mundo satisfatoriamente desenvolvidos”.

Nada menos do que 40% da população brasileira são crianças e adolescentes. A adolescência é um período de descoberta, de inquietação, de busca da identidade e da expansão da afetividade. Quando não são bem orientados, os adolescentes podem ter um desencantamento com relação ao mundo e uma descrença no ser humano. Nesta fase de mudanças físicas, mentais e psicológicas, boa parte dos adolescentes não recebe uma sólida e correta formação humana e ética. Esta medida judicial certamente levou em conta que nas ruas e praças das cidades brasileiras, encontram-se centenas de crianças e adolescentes que não tem família ou são oriundas de famílias deterioradas por condições econômicas e morais inadequadas, com vínculos familiares frágeis.

A carência de auto-estima, de amor e carinho, gera um profundo sentimento de solidão nos filhos. Os adolescentes delinqüentes não são maus! São carentes de amor de seus pais. São mal amados! Com isso, se tornam presas fáceis de traficantes, da criminalidade e de diferentes tipos de exploração.

Quero conclamar todos os pais para que dialoguem com seus filhos! O “toque de recolher para menores desacompanhados”, deve soar como um exame de consciência para os pais ausentes, omissos e distantes de seus filhos! Crianças e adolescentes são um sinal de que Deus não perdeu a esperança nos homens. O grande Pitágoras já recomendava: “Educai as crianças para que não seja necessário punir os adultos”.


* DEUSDÉDIT M. ALMEIDA é padre, pároco da Paróquia C. Imaculado de Maria e assessor regional da Pastoral familiar