A advogada Magadar Rosália Costa Briguet, procuradora jurídica da Associação Paulista de Entidades de Previdência do Estado e dos Municípios e da Associação Brasileira de Instituições de Previdência Estaduais e Municipais, esteve em Fernandópolis nos dias 7 e 8 para um ciclo de palestras ao funcionalismo, aos gestores de institutos previdenciários e aos membros dos Conselhos Administrativos desses institutos da região. Em entrevista exclusiva a CIDADÃO, a especialista alinhavou a atual situação previdenciária do país, e fez um alerta: com o envelhecimento do povo brasileiro, em breve haverá quase tantos beneficiários quanto contribuintes, o que poderá provocar a falta de recursos para garantir as pensões e aposentadorias. Uma solução paliativa pode ser a aposentadoria complementar ou privada.
CIDADÃO: Os recolhimentos previdenciários dos servidores são suficientes para bancar as pensões e aposentadorias?
MAGADAR: Não, tanto São Paulo quanto os outros Estados têm muitos aposentados e pensionistas. Não há possibilidade de arcar com isso só com os recursos dos servidores. Então, é preciso disponibilizar recursos para sustentar essas, digamos, insuficiências financeiras do regime, e isso significará menos receita, menos recursos para os investimentos do município. O objetivo é conseguir mecanismos para que os institutos sejam financeiramente saudáveis, deixando o município apenas com a contribuição patronal; essa contribuição o município tem que dar, como todo empregador.
CIDADÃO: A sra. afirmou que as contratações temporárias são maléficas no aspecto previdenciário. Por que?
MAGADAR: É o seguinte: aqui no município de Fernandópolis, as contratações temporárias na verdade não são temporárias, porque as pessoas são contratadas para funções permanentes. Evidentemente, só se pode contratar temporariamente, nos termos da Constituição, quando realmente a situação é temporária. Casos como calamidades públicas, por exemplo, quando o administrador é obrigado a contratar para formar frentes de trabalho, porque não há servidores suficientes para enfrentar essas situações excepcionais. Só que o administrador não pode manter esse servidor permanentemente. Servidores para funções como professor ou motorista, por exemplo, não podem ser contratados assim. É claro que a administração vai precisar desse tipo de profissional a vida inteira. Além disso, veja o que acontece: o contrato temporário é celetista, e o regime de previdência é geral, ocorre de um servidor municipal ficar aportando recursos para o regime geral, e não para o instituto do município. Vejo com restrições essas contratações temporárias do ponto de vista previdenciário e também constitucional. Não sei qual é a proporção de contratações desse tipo em Fernandópolis, mas deu para notar que são muitas. E é bom que todos os administradores municipais saibam que servidores nessas condições temporários com atuação de natureza permanente têm batido às portas da Justiça e ganhado todas as ações, porque ocorre uma pergunta irrespondível ao julgador: Que temporário é esse que fica dez anos?
CIDADÃO: Qual é o objetivo desses ciclos de palestras que a Apeprem tem promovido pelo interior?
MAGADAR: Basicamente, o objetivo é levar ao servidor o conhecimento da sua situação funcional, os estatutos que regem a relação de trabalho do servidor, que tem repercussão direta no regime previdenciário. Vou dar um exemplo: é feito um concurso público, e às vezes entra uma pessoa doença. No mês seguinte, essa pessoa está em licença médica e dali a 24 meses ela está se aposentando, onerando o instituto de previdência. Então, alertamos para os cuidados que se tem que tomar num concurso público, quais os cuidados com a acumulação de cargos, que algumas pessoas acumulam, com repercussão no regime próprio, a questão da incorporação de benefícios. Enfim, esclarecer qual é a situação laboral do servidor e qual é a repercussão nos regimes próprios. Ele precisa conhecer bem essa relação, saber dos fundamentos, dos princípios, das regras próprias.
CIDADÃO: A reforma previdenciária de 2003 mudou muita coisa?
MAGADAR: Na verdade, as grandes mudanças ocorreram em 1998, com a Emenda 20. A reforma de 2003 nada mais fez que alterar o cálculo e suprimir a paridade, além de estabelecer a contribuição mínima de 11%.
CIDADÃO: A sra. considera o modelo atual mais justo ou não?
MAGADAR: Ele é muito mais justo, porque você contribui efetivamente e terá um benefício contribuído, tirando um peso da sociedade.
CIDADÃO: Por que o brasileiro, a cada ano que passa, contribui mais tempo com a previdência?
MAGADAR: É um conjunto de circunstâncias. O ser humano tem sobrevivido mais, a expectativa, que em décadas anteriores era de 60 anos, hoje chega aos 72. A mulher, um pouco mais até. Além disso, os empregos têm diminuído. E, também, há muita gente na informalidade. Isso vai repercutir lá na frente. Nosso sistema é baseado na contributividade. Se uma prefeitura arrecada menos, vai poder fazer menos, contratar menos, fazer menos concursos. Consequentemente, haverá menos gente aportando recursos previdenciários para os institutos. Há um prognóstico segundo o qual, não sei se em 2030 ou 2040, metade da população brasileira será equivalente à juventude, quer dizer, metade da população brasileira terá 60 anos. Se considerarmos que o sistema de previdência é de repartição simples, a conta não vai fechar. A geração atual contribui para pagar o passado, Se esse modelo não é oxigenado com novos aportes, novos contribuintes, diminui a proporção entre aposentados e ativos, o que não é bom. É importante, em encontros como este, trazer essas informações para que o servidor também reflita sobre tudo isso e tenha consciência de que as coisas e situações mudaram. Quando funcionários chegam e falam: Nós queremos incorporar isso, isso e mais isso, eu digo: E a conta, quem vai pagar?.
CIDADÃO: Como está a saúde financeira dos institutos?
MAGADAR: De maneira geral, os gestores estão preocupados em fazer cumprir as regras constitucionais, os princípios da contributividade, do custeio. Evidentemente, os institutos com muitos servidores e aposentados, têm problemas. O aporte das contribuições não é suficiente para pagar todo mundo. A situação, quando muito, está na base do entrou-pagou, quando o ideal não é isso, e sim que sobre algum dinheiro.
CIDADÃO: Quais são os critérios legais para o administrador aplicar eventuais sobras dos institutos?
MAGADAR: Há uma resolução do Conselho Monetário Nacional que diz onde eles podem aplicar, e que tem que ser seguida à risca. Compra de imóvel, por exemplo, só pode ser o imóvel próprio, a sede do instituto. No passado, o INPS comprava muitos imóveis, e isso era complicado. Agora há um regramento, um controle social. Além disso, os institutos têm um Conselho Administrativo, que é o co-gestor dos institutos. O prefeito, a Câmara e os sindicatos indicam esses nomes. É a forma do próprio servidor participar da gestão do órgão; e ele é co-responsável, e pode até incorrer em crime federal, no caso de eventuais irregularidades. Alguns membros acham bonitinho ser do Conselho, e pensam que não têm responsabilidade. Nem comparecem aos cursos como este, talvez por não saberem da própria responsabilidade.
CIDADÃO: Há cerca de 15 anos, o IPESP estava virtualmente quebrado. Essa situação mudou?
MAGADAR: Agora, surgiu uma nova autarquia, que se chama São Paulo Prev. É sucessor do IPESP, instituído por uma lei de 2007. O IPESP só pagava pensão, e desde 1998 é assegurado o regime próprio que tem que pagar pelo menos pensão e aposentadoria. Só que, como não houve a obrigatoriedade de instituição da contribuição, em 98, foi só assegurado o regime. Ela só veio a ser instituída obrigatoriamente em 2003, com a Emenda 41. Todos os estados e municípios que ainda não o haviam instituído, tiveram que fazê-lo.
CIDADÃO: Na sua opinião, a previdência pública desaparecerá no futuro, dando lugar à previdência privada?
MAGADAR: Eu tenho receio em relação a isso. Sempre falo da minha avó: quando eu era pequena, ela pagava um montepio. Todo mês, vinha um homem receber a contribuição. Nem preciso dizer que ela ficou a ver navios. É claro que hoje as regras são diferentes, mas depende da saúde financeira mundial. Todas essas aplicações são baseadas na economia. Acredito que, no futuro, não haverá saída, as pessoas precisarão ter uma aposentadoria complementar. Uma aposentadoria básica, por um regime público obrigatório, que garanta pelo menos a subsistência, o básico; e um plano particular, que dê ao aposentado ou pensionista um poço mais de conforto.