Crise no Japão traz fernandopolenses de volta

20 de Agosto de 2025

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Crise no Japão traz fernandopolenses de volta
A crise financeira que se instaurou no Japão no final do ano passado tem feito com que inúmeros trabalhadores estrangeiros, conhecidos como dekasseguis, fiquem desempregados e sejam obrigados a voltar ao seu país de origem. Entre esses, estão alguns fernandopolenses.

É o caso de Lourdes Yashima, 48, que chegou do Japão, junto com a filha mais nova, há um mês. Em 1998, Lourdes e o marido, Samuel de Carvalho, 50, deixaram as filhas de 13 e sete anos no Brasil e foram para o Japão trabalhar. Yashima trabalhava em uma empresa que fazia lanches para conveniências e o marido em uma fábrica de soldar alumínio.

Como o alojamento em que ficavam não permitia crianças, as filhas só foram para o Japão quando eles conseguiram alugar um apartamento. Tempos depois, Lourdes conseguiu um emprego de líder de sessão em uma empresa de peças automobilísticas.

Já Samuel, como não tem origem oriental, nunca conseguiu ocupar cargos de destaque. No final do ano passado, ele foi demitido pela empresa em que trabalhava.

Com o fortalecimento da crise, aumento de impostos e fim das economias da família; Lourdes se viu obrigada a pedir demissão do emprego - sem direito a acerto trabalhista - e voltar para o Brasil com a filha mais nova, para preparar caminho para o marido, filha, genro e o neto.

Segundo Yashima, o marido ainda tem cinco meses de seguro-desemprego para receber e pretende aguardar o período para conseguir dinheiro para comprar a passagem de volta ao Brasil. O mesmo tempo levará o genro, Júnior, que trabalha apenas três dias na semana para juntar dinheiro para pagar as passagens da família.

Para evitar gastos, Samuel foi morar com um outro parente em um pequeno apartamento. Mas antes de desocupar o local em que morava, teve que jogar fora todos os móveis e eletrodomésticos, pois não encontrou quem quisesse comprar nem receber a doação de duas maquinas de lavar roupas de 12 quilos, com quatro anos de uso; geladeira duplex com cinco anos de uso; beliches; mesa de cerejeira; sofá, aquecedor; escrivaninha, entre outros.

Lourdes e Sâmela trouxeram para Fernandópolis somente roupas e tiveram que pagar cerca de R$ 3 mil para trazer três caixas com alguns utensílios, que devem chegar à cidade nos próximos três meses, segundo disseram.

No momento, elas vivem com uma irmã de Lourdes, que também voltou do Japão (há seis meses) e tem marido e filho nas mesmas circunstâncias de Samuel e sua família, que aguardam momento oportuno para retornar à terra natal.


Fome: dakasseguis e japoneses pedem socorro a comunidades religiosas

Com a crise, centenas de dekasseguis e até japoneses que ficaram desempregados passam fome no Japão, segundo Lourdes. Diferente do que vem sendo divulgado pela mídia, a única ajuda que o Governo Japonês tem dado é cerca de R$ 150, uma única vez. O valor dá apenas para comprar verduras, segundo Yashima.

“Quando estávamos no Japão víamos pela televisão o noticiário brasileiro que dizia que cada dekasségui desempregado receberia 300 mil ienes (cerca de R$ 6.700) para a passagem aérea para voltar para o seu país, além de 200 mil ienes (R$ 4.500) por dependente. Então ficávamos nos perguntando onde será que é a fila? Porque isso nunca existiu, meu marido está lá no Japão e a única ajuda que o Governo dá é R$ 150, uma única vez. Isso só dá para fazer uma compra de verduras e o resto do ano, passa fome?”, reclamou.

No país, o clima é de desespero. Comunidades religiosas brasileiras que vivem no Japão têm abrigado centenas de dekasseguis desempregados de vários países e até mesmo japoneses, oferecendo sopa e locais para dormir.

Lourdes conta que mais dois meses e sua família estaria nessa mesma situação. Depois de tanto sofrimento, voltar para o Japão a trabalho – ainda que o país se restabeleça economicamente - é algo que não passa pela cabeça de Yashima.

“A sensação de estar de volta ao Brasil é como estar no paraíso. Só quem já saiu fora dele sabe dar valor. As vezes as pessoas reclamam do Brasil, mas lá no Japão tem coisas muito piores; mas infelizmente não são divulgados pela mídia. País igual ao nosso não existe”, elogiou.

A impressão que Lourdes teve ao chegar em Fernandópolis foi de que a cidade cresceu e está mais bonita; mas um tanto quanto suja e abandonada, segundo ela. “A cidade modificou muito, está mais bonita; mas está um pouco suja e abandonada. As ruas precisam de ser mais limpas, é preciso melhorar as calçadas e o asfalto. Fiquei feliz de ver várias viaturas policiais circulando pela cidade e vi também muito adolescente pelas ruas. No Japão adolescente não fica na rua, ou estudo ou trabalha”, concluiu Yashima.


Sensação de tempo perdido

Pensar em Japão é trazer à memória a palavra emprego, segundo Lourdes. “Quando penso no Japão, penso em emprego. Porque as pessoas de lá não vivem, vegetam. Não têm vida social, apenas trabalham. Se não fosse a sabedoria que adquiri naquele país, a sensação é de tempo perdido. Saímos para buscar uma vida melhor, não conseguimos, voltamos e agora teremos que começar tudo de novo”, lamentou.

Yashima conta que antes de ir para o país japonês sempre almejou levar uma vida de classe media alta; mas depois de tudo que vivenciou no Japão, não pensa mais em morar em mansões e ter carros luxuosos; antes, prefere ter uma vida simples ao lado de sua família.

A rotina de Lourdes nos último nove anos foi puxada. Trabalhava de segunda a sábado, saia todos os dias às 7h30 para trabalhar e voltava à casa por volta da meia noite. Aos domingos cuidava dos afazeres domésticos.

Segundo sua filha Sâmela, os brasileiros são muito discriminados no Japão. Os piores serviços, que os japoneses não gostam de fazer, são reservados aos brasileiros. Estes são conhecidos como os três “K”: “Kitanai” (sujo); “Kibishi” (rígido”) e “Kiben” (Perigoso).

Para ser aceito entre os japoneses, os estrangeiros têm que saber falar no mínimo 80% da língua. Sâmela - que foi alfabetizada no Japão – sabe ler e escrever em japonês. Embora já esteja na idade para cursar uma faculdade; terá que estudar mais um ano em uma escola brasileira para conseguir um diploma que comprove o ensino médio.

Sâmela passou por um teste de conhecimento e foi matriculada na escola Líbero de Almeida Silvares. O fato de ter sido alfabetizada em um país de primeiro mundo despertou a curiosidade da diretoria da escola, que pretende em breve trocar ideias com a nova aluna para saber como funciona o ensino no Japão para tentar aproveitar algo de bom para a escola.

Além de saber ler e escrever em japonês, Sâmela fala inglês e espanhol. No Japão, teve a oportunidade de trabalhar na Mitsubishi; mas devido à crise foi mandada embora, junto com mais dez estrangeiros.