Já não se fazem deputados como Jacob Pedro Carolo. Nos seis mandatos parlamentares que exerceu quatro como deputado estadual e dois como federal ele desfilou pelos corredores da política nacional sua elegância, simpatia e ética inatacável. Amigo dos amigos e respeitoso com os adversários, Carolo sempre foi uma unanimidade no parlamento. Ex-presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo, ele deixou a marca de sobriedade e probidade. Um exemplo (infelizmente, pouco utilizado) para certo tipo de parlamentar que os chamados tempos modernos fabricaram.
CIDADÃO: Em recente artigo, sobre homenagem que o sr. recebeu na Assembléia Legislativa, o jornalista Clóvis Messias, do Comitê de Imprensa da Assembléia, escreveu o seguinte: ...oportunidade em que foram homenageados ex-presidentes vivos, da estirpe de Natal Gale e Jacob Pedro Carolo, por exemplo. Bons tempos aqueles em que as denúncias eram para ver quantos clipes haviam sumido do armário.... O que foi que aconteceu com a política brasileira? Não existe mais ética?
CAROLO: Sempre fui um idealista, fiz política por idealismo, pensando no povo dos municípios que a gente representava. Não me lembro, no meu tempo, de nenhuma ocorrência como as que se vê hoje em dia no Congresso brasileiro, por exemplo. Deixei a política em 1982, quando tentei minha terceira eleição a deputado federal e fiquei como suplente, com 43 mil votos, e passei a acompanhar a política através do noticiário. Tenho o maior desencanto ao ver o que está acontecendo no Congresso Nacional. Não cuidam de nada, só se fala em interesses pessoais. Antigamente, se trabalhava pelo progresso da região que o parlamentar representava. Lutávamos para construir a Casa da Lavoura, por auxílio para as Santas Casas, agência do INSS, estradas, coisas assim. Passado o mandato, o parlamentar voltava à cidade que representou e era recebido com respeito, era o deputado que havia chegado. Hoje, a gente sente que o deputado tem medo de se identificar. Foi uma degeneração do poder legislativo o que ocorreu no Brasil. Aliás, tenho desencanto pela situação nos três poderes, eu que estou chegando aos 83 anos de idade e vejo o Brasil administrado por aloprados, mensaleiros, e não acontece nada com ninguém. É muito triste, no final da vida, assistir ao que acontece no Brasil. Ressuscitaram a figura tenebrosa de Renan Calheiros; o Collor, que a meninada pintou a cara para apeá-lo do poder, volta e assume uma comissão das mais importantes!
CIDADÃO: O sr. teve dois mandatos na Câmara Federal. E na Assembleia Legislativa?
CAROLO: Foram quatro mandatos, entre 1959 e 1975. Fiquei 16 anos na AL. No final do quarto mandato, fui presidente da Assembleia, de março de 1971 a março de 1973. Aí, assumi na Câmara Federal. Como político, uma das coisas de que mais me orgulho é que me elegi seis vezes sucessivamente. Na vida, disputei nove eleições e ganhei oito, contando as eleições de vereador e prefeito de Pontal tudo sem carregar mala preta. Nosso argumento era o trabalho, eram as conquistas que obtínhamos para os municípios que representávamos. Meu orgulho é ter deixado um belo conceito entre aqueles que me conheceram como político: muita gente diz que fui um ícone. Esse é meu patrimônio: o conceito de que gozo. Até porque nada tenho além de uma pensão.
CIDADÃO: Nos anos 70, um deputado normalmente vestia a camisa de um município, identificando-se como o seu deputado. O paraquedismo da atualidade não prejudica a atuação parlamentar e, consequentemente, aos municípios?
CAROLO: É evidente que prejudica. Antigamente, quando chegava uma eleição, o prefeito, os vereadores e as lideranças em geral, se uniam para apoiar o deputado que havia trabalhado pela cidade. Hoje, é uma disputa que vence quem chega por último, mas leva a mala mais cheia...E quem perde com isso é o município, porque quem levou o voto não tem vínculo algum com a cidade; consequentemente, não tem sequer que dar satisfação ele pagou pelo voto. Houve um caso na Assembleia de um deputado que disputava uma eleição buscando votos do Rio Tietê para cima; na outra eleição, ele disputava os votos da região do Rio Tietê para baixo - isso porque não tinha coragem de ir pedir votos nas cidades que o elegeram quatro anos antes, e pelas quais ele não fez nada...
CIDADÃO: O sr. tem boas lembranças desses tempos? Quais eram seus companheiros políticos na época?
CAROLO: Com o governador Laudo Natel, tive longa história política. Ele está perto de completar 88 anos. Era conhecido como o governador caipira, éramos companheiros no PR. Uma vez, ele me pediu pra lhe dar uma mão no interior. Eu tinha um carro pequeno, um Volksvagen. Pegamos de Igarapava até a barranca do Rio Grande, e descemos até Ribeirão Preto, visitando cidade por cidade onde eu tinha votos e era conhecido. O Laudo chegava, ia tomar cafezinho num bar, conversava com todos. Ele era popular como presidente do São Paulo FC, e era um homem humilde, que trabalhou muito e nunca se levantou qualquer suspeita sobre a licitude de seus atos. Tenho saudade dos grandes nomes da política da época Hilário Torloni, Marco Antonio Castelo Branco, Lino de Mattos, Abrahim Dabus, Cid Franco um socialista que foi autor do primeiro projeto que tratava da questão do meio ambiente, era um projeto proibindo que os dejetos das usinas, o garapão, fosse lançado em rios. Isso foi por volta de 1962! Tinha também a deputada Conceição da Costa Neves, uma mulher maravilhosa, guerreira. Os deputados a temiam, porque ela era implacável com quem errava. Tenho saudades também dos companheiros de Fernandópolis, como o querido Antenor Ferrari, que há pouco nos deixou, o Milton Leão, o saudoso Adhemar Pacheco, que foi meu colega na Assembleia. Depois de aposentado, o Pacheco continuou trabalhando como médico até o final da vida.
CIDADÃO: Como foi que Fernandópolis entrou na sua vida política?
CAROLO: Fernandópolis foi marcante. Quando disputei a primeira eleição para deputado, minha base era Pontal, que na época tinha apenas 3 mil eleitores dos quais tive 97% dos votos, e um pouquinho menos em Sertãozinho e Pitangueiras, que são municípios vizinhos além de Morro Agudo. Era candidato pelo PST, e fui eleito com 6.390 votos. Mas Fernandópolis teve um papel expressivo na minha carreira, principalmente nas duas vezes em que me elegi deputado federal. Tenho muito carinho e muita saudade de Fernandópolis. Conheci a cidade através do Donato Marcelo Balbo, que foi prefeito de Meridiano e era muito ligado a Fernandópolis ele era meu parente, um grande caráter, teve uma morte trágica. Outro que me aproximou de Fernandópolis foi o ex-deputado Wilson Lapa, que era um brilhante orador.
CIDADÃO: Quando ia a Fernandópolis, o sr. não passava por Votuporanga; e, estando em Fernandópolis, não esticava a viagem até Jales. Na região, o sr. só tinha compromisso mesmo com Fernandópolis?
CAROLO: Quando conheci Fernandópolis, a grande aspiração do município era a estrada de Água Vermelha, que Jales também disputava. Como assumi o compromisso em favor de Fernandópolis, eu não poderia ir a Jales pedir votos, porque não seria ético.
CIDADÃO: Gostaria de tornar público, nesta entrevista, que o deputado Jacob Pedro Carolo, na condição de parlamentar federal mais votado no município de Fernandópolis, encaminhou ofício ao Ministro das Comunicações pedindo publicação de edital para exploração de uma emissora de frequência modulada FM a primeira da região. Ali nasceu a Rádio 99 FM.
CAROLO: Sim. Naquele tempo, essas decisões tinham peso político, e minha votação pesou na balança. Houve outras pessoas que colaboraram. Fazíamos por amor, não queríamos ser sócios de rádio! Queríamos era ver o progresso.
CIDADÃO: Atualmente, o sr. é membro da Associação dos Parlamentares do Estado de São Paulo, não é?
CAROLO: Sim, sou tesoureiro. Essa associação engloba os ex-parlamentares e viúvas de ex-parlamentares. Éramos quase 500, mas o número diminuiu. Minha presença aqui é um estímulo, porque estou servindo a uma comunidade. Na verdade, são poucos os ex-parlamentares e as viúvas que moram na capital. Assumi essa função como quem pratica auxílio a uma instituição de caridade, é uma forma de me manter ativo. Logo que acordo, calço um tênis e vou fazer uma caminhada isso, todos os dias da semana, porque me faz bem. Depois, venho para cá, resolvo problemas, me encontro com ex-parlamentares, troco idéias e lembranças. Em casa leio constantemente, estou sempre com um livro nas mãos. Por isso é que minha cabeça anda boa. Não deixo o alemão (Alzheimer) me pegar! (risos).
CIDADÃO: Nas entrevistas de antigamente, a última pergunta não era pergunta: oferecia-se o espaço para o entrevistado falar o que quisesse. Como você é um deputado à antiga, que tal fazer isso?
CAROLO: Muito bem. Quero aproveitar para me solidarizar com a família Ferrari, na pessoa da Dona Ida, a quem eu quero muito bem, além dos filhos e netos, nesse momento tão triste. Antenor Ferrari foi um homem tão bom, que quando deixou a prefeitura, após a solenidade de posse do novo prefeito, voltou a pé para casa, e foi acompanhado pelo povo. Nunca vi coisa igual. Naquele dia, chorei de emoção. E ao povo de Fernandópolis, quero reafirmar aqui a minha gratidão permanente. Jamais me esquecerei do povo dessa cidade pela acolhida, atenção e carinho que sempre recebi. Isso me orgulha muito.