O promotor de Justiça Denis Henrique Silva tem participado ativamente do debate que a sociedade trava acerca da questão do trabalho de menores aprendizes, como a que aconteceu na última terça-feira no Rotary 22 de Maio (leia matéria nesta edição). Fernandópolis entrou em evidência nacional a partir de 2007, quando o juiz da Vara da Infância e Juventude, Evandro Pelarin, concedeu algumas autorizações judiciais para que menores aprendizes, com menos de 14 anos, pudessem trabalhar. Nesta entrevista, o promotor esclarece por que convocou a Delegaria Regional do Trabalho para efetuar fiscalização em algumas empresas onde esses jovens trabalham: simplesmente, ele recebera denúncia de que algumas dessas empresas não registravam os trabalhadores mirins. Sou plenamente favorável ao trabalho dos garotos, diz Denis.
CIDADÃO: Como o MP tem visto a questão das autorizações judiciais concedidas na comarca de Fernandópolis, para que menores de 14 anos trabalhem?
DENIS: O Ministério Público Estadual acompanhou, entre 2007 até o final de 2008, os casos em que foram concedidas diversas autorizações judiciais para menores de idade trabalharem. A Promotoria de Justiça de Fernandópolis teve oportunidade de se manifestar em dois ou três casos em que houve autorização expedida. Os outros foram um trabalho entre a Vara da Infância e da Juventude e o Conselho Tutelar. Diante dos casos em que eu me manifestei e diante do acolhimento pelo juiz de direito de algumas condições sugeridas pelo Ministério Público que o juiz impôs, estão: um laudo da delegacia do trabalho sobre a salubridade do ambiente; e que isso acontecesse sem prejuízo da obediência às normas trabalhistas. Eu optei por instaurar um protocolado na Promotoria de Justiça para fiscalizar se os empresários que empregaram menores, com lastro nas autorizações, o fizeram cumprindo as normas trabalhistas.
CIDADÃO: Em que pé está a situação na DRT de São José do Rio Preto?
DENIS: Está para chegar um relatório da Delegacia Regional do Trabalho. Cerca de cem empresas foram fiscalizadas a meu pedido, porque chegaram ao meu conhecimento diversas notícias de que em muitas dessas empresas os adolescentes não estariam registrados, que os adolescentes não eram contratados pelo CAEFA, pois eles são contratados na condição de aprendizes; aliás, é o que consta da autorização judicial, então tem que passar pelo CAEFA.
CIDADÃO: E qual foi a realidade constatada?
DENIS: Vou dar como exemplo uma informação que recebi hoje: a coordenadora da unidade de semiliberdade me ligou para dizer que há caso de uma fábrica onde trabalha um menor interno da unidade de semiliberdade. Os fiscais do trabalho estiveram na fábrica e disseram que o menor não poderia trabalhar lá. A coordenadora me perguntou o que deveria fazer, e eu indaguei se ele está ou não apenado com prestação de serviços à comunidade. Ela disse que não. Então, esse menor não tem obrigação nenhuma de trabalhar. Não está registrado, ganha por produção, é quase um trabalho escravo. O que a gente sustenta é que ele pode trabalhar dos 12 anos em diante. A lei fala dos 14 anos em diante, mas nós consideramos dos 12 em diante. Mas mediante registro, pagamento de fundo de garantia, pagamento de contribuição previdenciária, horas extras, 13º salário, férias.
CIDADÃO: As empresas estariam se aproveitando da situação?
DENIS: Não sei se todas, nem quantas, porque não tenho o relatório ainda. Li na imprensa que a dona de uma fábrica foi autuada em R$ 14 mil porque os funcionários não estariam registrados. Ela alegou que o processo de registro está em andamento. Ora, como é que está em andamento??! Isso leva no máximo 48 horas, é só anotar na carteira de trabalho. Enfim, quando esse relatório chegar às minhas mãos, quero fazer uma triagem, e divulgar esse relatório, inclusive na Associação de Amigos do Município, para demonstrar o que está acontecendo. Não há surrealismo das equipes da fiscalização do trabalho ou de quem quer que seja. O que ocorre é que algumas empresas estão contratando adolescentes sem obedecer às normas trabalhistas. Agora, veja bem a questão: se um adolescente pega a bicicleta para ir ao trabalho e sofre um acidente no caminho, quem paga? Vai ter que entrar com uma ação de indenização contra a empresa ou contra o município isso, na Justiça comum. Se ficar provado que foi o Conselho Tutelar quem o autorizou a trabalhar, sem verificar se estava registrado ou não, a ação é contra o município. Veja a problemática de tudo isso. Se fosse registrado regularmente, o acidente teria acontecido in itinere, ou seja, a caminho do trabalho. Caso comum, da competência da Justiça do Trabalho, sem maiores problemas. Comunica-se o fato ao INSS, o menor passa a receber o salário da previdência enquanto se recupera, e tudo bem. Tem estabilidade, não vai ser mandado embora. Agora, do jeito que está, cada um paga o quanto quer, manda embora a hora que quer. Eu pedi a fiscalização em 2008 e a Delegacia do Trabalho pediu um prazo de 120 dias, que vence agora.
CIDADÃO: Com relação à polêmica suscitada no ano passado entre o Dr. Pelarin e o Ministério do Trabalho, sobre a questão do trabalho do menor com menos de 14 anos: o sr., pessoalmente, é favorável ou contrário ao trabalho desse jovem?
DENIS: Sou plenamente favorável. Menor de 14 anos pode trabalhar. Inclusive dei parecer favorável no processo que envolveu aquele garoto que trabalhava numa oficina. Era assim na Constituição Federal de 1988; depois mudaram com a Emenda Constitucional nº 20, por uma questão de previdência querem que o trabalhador comece a recolher os fundos previdenciários mais tarde para que ele se aposente mais tarde. O que eu sustento é que pode ser assim. Mas para que isso aconteça a pessoa tem que entrar com pedido de autorização na Justiça e o juiz declarar que é inconstitucional, que aquela norma da constituição está errada. Uma vez trabalhando registrado em local correto, o único questionamento que a fiscalização do trabalho pode fazer é dizer que o menor não tem idade para trabalhar e para isso ele apresenta a autorização do juiz.
CIDADÃO: É uma espécie de suprimento?
DENIS: Sim. Se não mudar a lei vai sempre continuar assim até o ponto da delegacia do trabalho perceber que em Fernandópolis existem algumas autorizações judiciais. Aí, certamente ela deixará de autuar as empresas, pelo menos pelo motivo da idade do trabalhador. Agora, há que se respeitar as outras questões, como insalubridade, etc.
CIDADÃO: A reunião de terça-feira no Rotary, com a Associação de Amigos e outras entidades e autoridades, teve qual objetivo?
DENIS: A ideia é de que haja união em torno do propósito de organizar um movimento para, nada mais nada menos, propor uma alteração na Constituição Federal. O que é muito difícil. Uma luta inglória, mas que não é impossível. Em algum lugar tem que começar, para que seja plantada a semente. Mas olha, não acho válida essa condenação que estão fazendo dos fiscais do trabalho, que para alguns são os vilões da história. Eles estão cumprindo o papel deles. Estão cumprindo a sua função por ordem minha.
CIDADÃO: Então, não há uma queda de braço entre a Delegacia Regional do Trabalho de Rio Preto e a Comarca de Fernandópolis?
DENIS: Não, de modo algum. Eles estão colaborando conosco, vieram por ordem minha para fazer a fiscalização. Inclusive, no ofício que encaminhei, escrevi: para que façam a fiscalização considerando a possibilidade de trabalho de maiores de 12 anos de idade, com autorização da Justiça da Comarca; quer dizer, eu não queria que autuassem por causa disso, e sim pela ausência de registro de contrato de trabalho que foi denunciada. Enfim, enquanto não acontecer essa alteração na Constituição, todo caso de menor que quiser trabalhar terá que ser resolvido individualmente na Justiça, caso a caso.
CIDADÃO: Teria que acontecer uma campanha nacional, para mudar a Constituição?
DENIS, Sim, e aposto que se a gente começar a trabalhar com isso aí, muita gente vai aderir. A questão são os organismos, as ONGs nacionais e até os organismos internacionais. Vamos ver como a OIT, por exemplo, vai encarar essa questão.