Durval trocou a enxada pela língua de Shakespeare

20 de Agosto de 2025

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Durval trocou a enxada pela língua de Shakespeare
Durval Ramanholi nasceu em uma propriedade rural no distrito de Brasitânia, em 1960, sendo o primogênito e único homem entre três mulheres. Sem favoritismos, aos sete anos já trabalhava na roça. Levantava antes do nascer do sol - quando o dia clareava, cerca de 20 sacos de café já estavam abanados no carregador – e só voltava para casa com o pôr-do-sol. Quando estava na quinta série, deixou de estudar devido a um acidente de trabalho que fez com que ele perdesse o dedão de um pé. Por não suportar as chacotas dos colegas de escola, decidiu abandonar os estudos e continuar seu trabalho na roça. Após três anos, formaram uma classe de quinta série no coreto da igreja da Brasitânia, Durval, então, retomou os estudos. Em seguida construíram a primeira escola e ele nunca mais parou de estudar. Tinha sede de conhecimento.

Anos mais tarde, pediu ao pai que o matriculasse em um curso de inglês. O pai, mesmo sem compreender a paixão do garoto pelos estudos, o matriculou. Para chegar até o curso, Ramanholi pedalava três quilômetros de bicicleta, deixava-a na casa de uns colegas na Brasilândia e pegava uma carona com eles de carro até o curso.

“Eu comecei a gostar do inglês. Na hora do almoço, eu preferia estudar a almoçar. Meu pai dava tempo de fazer a sesta. Nunca fui de pouco estudo, meu pai nunca me pediu para estudar, mas eu sempre estudei bastante”, disse Ramanholi.

Quando estava no primeiro colegial, foi convidado para dar aula em um curso de inglês. A escola chegou a pagar cursos de atualização na capital. Foi nessa época que começaram a sobrar alguns trocados, pois embora Durval trabalhasse muito, o pai retinha todo o dinheiro para custeio das despesas da casa. “Eu gastava todo meu dinheiro em livros, meu pai não se conformava”, revelou Durval.

Para começar a faculdade de Letras, em 1983, depois que concluiu o ensino médio, teve que convencer o pai. Para chegar até a rodovia para pegar o ônibus de Ouroeste que o levava até Votuporanga, Ramanholi tinha que pedalar cerca de 1,5 km até Brasitânia ou cortar a pé uma plantação de eucalipto e café.

Já no segundo ano de faculdade, um professor o indicou para fazer estágio, como aluno especial, na Unesp de São José do Rio Preto. No ano seguinte, Durval e um amigo prestaram um vestibular, passaram e foram em busca de uma bolsa da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

“Só tinha uma bolsa, eu prestei uma prova, passei em segundo lugar; mas o primeiro desistiu e eu fiquei com a bolsa. Demorou quatro meses para vir, quando veio, comprei um fusquinha. Em seguida começaram aparecer várias aulas no Yázigi, onde eu lecionava, e eu ficava com um pé na roça e outro na cidade”.

Em 1983, Durval se casou, mas continuou morando com os pais. No ano seguinte, todos se mudaram para uma casa de dois cômodos em Fernandópolis. “Naquela casa dei aula particular de inglês, sentado em um colchão na sala, para Humberto Cáfaro. Não tínhamos quase móveis na casa. Depois o Yázigi fechou e eu abri um curso de inglês em uma sala cedida pelo professor Geraldo Bataglia, do Conservatório Santa Cecília. Ali dei aula para vários médicos da cidade, mas logo fechei e fui dar aula no Objetivo”, disse.

Em 1986 foi convidado para lecionar inglês e linguística na faculdade de Votuporanga, onde ficou até 1996, quando foi convidado pela Fundação Educacional de Fernandópolis para ser diretor pedagógico da instituição. Em 2001, Durval foi obrigado a interromper as atividades acadêmicas em função de um câncer. “Tive um câncer nessa época e não tinha como fazer cirurgia. Ele era maligno de caráter invasivo, que se espalharia rapidamente. Fiz tratamento no hospital A.C. Camargo, um tratamento pesado, fiz 33 sessões de radioterapia, duas sessões de bracoterapia, com dosagens altíssimas, e três sessões de quimioterapia. Em julho daquele ano o médico me disse que eu não tinha mais nada, mas que teria que conviver com os malefícios de um tratamento pesado. Tenho muita falta de saliva, pois foram destruídas glândulas salivares. Fiquei seis meses fora da sala de aula, mas os alunos não gostaram do professor de linguística e eu voltei, mas não mais me apartei da minha garrafinha d´água”, explicou Ramanholi.

Muita coisa mudou na vida de Durval após essa época. Ele passou a dar mais valor à vida e lutar pelos seus ideais com muito mais intensidade. Hoje é avaliador do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas), coordenador dos cursos de Pedagogia, Letras e do Instituto Superior de Educação da Fundação Educacional de Fernandópolis, além de ser PHD em Teoria da Literatura. Rodeado de quatro mulheres - a esposa (Érika) e as filhas Aline, 24, Roxane, 17, e Sophia, 3 – Durval diz não ter um grande sonho não realizado. “Não sei se sou muito modesto, mas me sinto realizado na vida, não tenho um grande sonho. O maior presente Deus já me deu, que foi a cura do câncer. Agora, quero apenas viver a vida da melhor forma possível”, concluiu Durval.