A situação dos pecuaristas brasileiros, em alguns momentos, se equipara aos antigos dramalhões mexicanos. Constantes reviravoltas na economia e na política de crédito e exportação tiram o sono dos criadores.
O mais recente problema é o dilema de vender o gado e não receber o pagamento. Em situação difícil devido à crise econômica e à alta do dólar, entre outros fatores, os frigoríficos a cada dia que passa recorrem à Lei de Recuperação Judicial espécie de sucessora da lei de concordatas e empurram com a barriga o pagamento dos produtores.
Normalmente descapitalizados é uma categoria que historicamente sempre utilizou os financiamentos, especialmente nos bancos estatais, para produzir carne e leite -, os criadores acabam quebrando.
Essas mazelas vividas pelo homem do campo foram discutidas esta semana pelo diretor de Agricultura de Fernandópolis, Marcos Mazeti, que é também presidente do Sindicato Rural, em entrevista a CIDADÃO. Do lado de fora da sala envidraçada do diretor, acumulavam-se produtores, em busca de uma palavra otimista, uma novidade qualquer que pudesse lhes reacender o ânimo. Triste realidade para homens de mãos calejadas, que, segundo Mazeti, atualmente não recebem do governo federal uma política agrária que lhes permita receber a contrapartida pelo seu trabalho.
CIDADÃO: Afinal, o que está acontecendo com a pecuária?
MAZETI: É o seguinte: o governo federal, com a política voltada para colocar alimento barato na mesa do consumidor - e nós concordamos com isso, não somos contra esqueceu-se de que o produtor é o elo mais importante dessa cadeia, a agricultura é uma indústria. O produtor tem que comprar trator, adubo, insumos, manter empregos dos trabalhadores e fornecer alimento barato. Isso, essa cadeia, não tem como funcionar, porque o produtor não está tendo lucro. Com a atual escassez do crédito, já que o produtor re-financiava a produção anualmente, foi quebrada a corrente, o produtor não tem liquidez, ele não pode vender uma propriedade para pagar dívida com banco. Fica sem saída. É preciso estabelecer uma política agrária séria. Não estamos postulando que o governo subsidie o produtor, mas que garanta uma renda mínima. Se o governo quer manter o alimento barato, tem que viabilizar a produção. Temos problemas sérios nas áreas trabalhista e ambiental, que caem todos na cabeça do produtor rural.
CIDADÃO: E a questão de não receber dos frigoríficos?
MAZETI: Outro problema é a comercialização, porque, além de ter um custo alto para produzir, dos encargos trabalhistas, dos fenômenos telúricos (seca, geada) hoje o produtor ainda corre o risco de vender e não receber. É o que acontece com os frigoríficos. Nossa região hoje tem dois frigoríficos em processo de recuperação judicial. O de Jales fechou. Em valores que afetam a região, existe o seguinte: Mozaquatro, 16 milhões de dívida com pecuaristas (não corrigidos), dinheiro que inclusive saiu do município. O IFC devia 12 milhões, ainda bem que pagou. Agora veio o problema do leite a empresa de Votuporanga que atrasou os pagamentos. Não demora vai ter problema na cana, o produtor que arrendou de repente não receberá. Ainda bem que em nossa região quem produz forte é o Grupo Arakaki, uma empresa idônea, que está mantendo os compromissos. Agora, essas outras que vêm através de investidores, que aproveitam para especular no momento bom, você não sabe o que vai acontecer.
CIDADÃO: Isso é justo?
MAZETI: Não, claro. O produtor fica três anos para engordar o boi, vai vender para pagar seus compromissos feitos durante esses três anos, perde o boi e não recebe! Não se tem garantia nenhuma. O pagamento à vista dos frigoríficos é em dois dias! A partir do momento em que você entrega a nota fiscal ao frigorífico, você passa a ser credor quirografário. A lei de recuperação judicial tem um risco muito grande. Pode ser que vire moda pedir a recuperação, como foi moda pedir concordata 15 anos atrás. Essa lei está ajudando aos empresários e os bancos, não aos produtores. Os créditos, todo mundo recebe primeiro: os trabalhadores, os bancos, o fisco, os advogados... O produtor é o último a receber, quando recebe. O produtor, que fornece a matéria-prima e gera empregos, e deveria ser visto como a indústria numero um do Brasil, pela sua importância, fica a escanteio. Essa lei tem que ser mudada. Estivemos recentemente em Brasília, para discutir a questão do produtor rural. Todos os representantes de entidades rurais que estavam na capital federal procuraram mostrar ao governo que o maior problema hoje em dia é essa lei de recuperação judicial. Se não houver mudanças na política agrícola uma política de valorização de quem está na terra, produzindo e investindo não sei onde vamos parar.
CIDADÃO: E o que o fazendeiro pode fazer para se precaver do calote?
MAZETI: Vender à vista e no varejo. Em vez de vender dez caminhões de bois, vende um ou dois. Só depois de recebidos estes, ele vende mais um ou dois. Não pode pôr todos os ovos na mesma cesta. Se o frigorífico insistir, dizendo que precisa abater, o negócio é dizer: Então, pague à vista. Senão, sinto muito.
Frigoríficos se escudam na lei de recuperação
Antonio Carlos Cantarela é advogado da massa do Frigorífico Mozaquatro, nomeado pelo juiz, no processo de recuperação judicial em trâmite pela 2ª Vara Cível da Comarca de Fernandópolis um processo conturbado, que já teve IFC, Frigoestrela e Arantes entrando e saindo de cena tal qual atores numa peça de teatro de boulevard.
Dura a posição de Cantarela: muitas vezes, na briga do mar com o rochedo, ele acaba sendo o marisco, já que sobre sua cabeça recaem esperanças de uns e críticas de outros. Seu telefone não pára de tocar. Via de regra, é um ex-funcionário do frigorífico, ou um credor, às vezes algum advogado. Cantarela, porém, já se acostumou à função e não perde a serenidade.
CIDADÃO: A Lei 11.101/2005 é melhor do que a antiga lei de concordata?
CANTARELA: Trata-se de dois momentos distintos da história. No primeiro, a lei era de 1945, a outra é de 2005. Esta procurou, em primeiro lugar, privilegiar o social, para manter as empresas em funcionamento, preservando os postos de trabalho em funcionamento, a arrecadação de tributos enfim, ela optou pelo social em detrimento dos credores da empresa recuperanda.
CIDADÃO: Qual é a atual situação da empresa?
CANTARELA: A situação da CMA que é a empresa que administrava o Frigorífico Mozaquatro de Fernandópolis tem várias peculiaridades. Na recuperação judicial, o proprietário da empresa não perde a administração dos seus bens. Ocorre que, no caso da CMA, os bens que ela possui estão todos arrestados num processo-crime, razão pela qual o proprietário não pode dispor desses bens. Na recuperação judicial, uma das grandes vantagens é que o proprietário pode dispor dos bens para com a renda pagar os credores. É o caso da fazenda que a empresa colocou à disposição para venda, mas isso não foi possível por causa do processo-crime que tramita na Justiça Federal. Então, a situação do frigorífico de Fernandópolis se torna mais difícil por causa desses fatos. A indisponibilidade é no momento o grande entrave para o pagamento dos credores. Além de tudo, os ACCs, os créditos trabalhistas e fiscais têm preferência sobre os créditos dos produtores.