O juiz Evandro Pelarin, titular da 1ª Vara Criminal e da Vara da Infância e Juventude de Fernandópolis, tem uma teoria surpreendente para explicar que alguns países da América do Sul, como a Colômbia, o Peru e o próprio Brasil fixem a maioridade penal em 18 anos portanto, entre as mais altas do mundo: uma maciça influência ideológica de esquerda no direito penal. Qualquer ação punitiva do Estado é vista pela esquerda como opressão, acusa ele. Essa e outras opiniões do magistrado você lerá nesta entrevista, cujo tema específico é a maioridade penal brasileira uma polêmica que se arrasta quase tanto quanto o conflito na Faixa de Gaza.
CIDADÃO: Quais são os argumentos que o levam a supor que a redução da maioridade penal amenizará os índices de violência no país?
PELARIN: Um dos problemas nessa questão, que é um padrão geral quando se interroga o porquê dessa redução, é que o direito penal não é feito para reduzir criminalidade, e sim para punir. Se a intimidação da pena levar à redução é uma consequência ótima, é algo que até se espera, mas não é o fundamento à essência. Então, não podemos enxergar essa questão da redução da maioridade penal sob esse efeito, ou seja, se isso trará redução de criminalidade. Não é esse o enfoque, que na verdade é atribuir responsabilidade àquele que infringe a lei. Então, quando nós defendemos como eu defendo, já fez tempo, desde que estou na magistratura, já faz 12 anos pelo único foco de que aquele que comete um crime grave tem que responder por ele. É inadmissível que garotos de 16, 17 anos cometam crimes graves e não respondam por eles, de acordo com o direito penal.
CIDADÃO: Alguns doutrinadores entendem que a redução seria inconstitucional, porque o artigo 60, § 4º da Constituição Federal proíbe emendas que venham a abolir direitos e garantias individuais. Qual é a sua opinião sobre o assunto?
PELARIN: Na minha opinião há um equívoco nessa interpretação doutrinária, porque a idade penal está capitulada no artigo 228 da Constituição, ou seja, lá na frente do texto; ela não está no artigo 5º da CF (que trata dos direitos e garantias individuais). Ou seja, as pessoas que não aceitam a redução da idade penal tentam incluir o assunto no início da Constituição, onde são tratadas as garantias fundamentais. Porém, o dispositivo constitucional que fala da idade penal não está inserido entre os direitos fundamentais. É uma questão de taxiomia, ou seja, onde está localizado o dispositivo constitucional e ele não está nos artigos iniciais, e sim no final. Portanto, não é cláusula pétrea e pode, sim, ser alterado por emenda constitucional.
CIDADÃO: O adolescente do Rio de Janeiro que há cerca de dois anos arrastou com o carro o pequeno João Hélio responderia às sanções do Código Penal, e não do ECA, se já tivesse ocorrido a redução da maioridade penal. Há muitos outros exemplos. A pergunta é: o sr. acredita em ressocialização dos menores infratores, na vigência da atual legislação? A Justiça dispõe de estatísticas sobre essa questão?
PELARIN: O estudo da pena leva em consideração alguns sentidos e princípios. Para quê serve a pena? Alguns entendem que ela tem um sentido de prevenção geral, ou seja, de intimidação. Como a pena está prevista na lei, o indivíduo, antes de cometer o crime, pensa. Assim, ela teria um sentido de intimidar. Outra corrente defende que a pena, na verdade, serve para corrigir aquele que já cometeu o delito. Seria a prevenção especial, ou seja: o sujeito comete um crime, e aí cabe ao Estado dizer que ele estava errado, fazê-lo cumprir a pena e devolvê-lo à sociedade sem o erro, para que não erre mais. Eu, particularmente, não levo esses dois sentidos em consideração essencial. Para mim, a pena criminal porque assim foi criada, desde o princípio é retribuição. É a vingança pelo Estado, para evitar que o particular faça vingança pelas próprias mãos, no sentido exclusivo da retribuição. É vingança pelo Estado. Como interpreto a pena como retribuição ao mal do crime, o mal da pena me abstraio dessas outras vertentes educativas, ressocializadoras etc. Não podemos pensar assim: Não vamos prender porque o sistema não reeduca. Mas onde está escrito que a pena tem que ressocializar? Na verdade, o cumprimento da pena nada mais é do que a retribuição de um mal gerado pelo crime.
CIDADÃO: Países diferentes, diferentes visões de mundo. Na Europa e no Oriente Médio, a maioridade varia entre 8 e 15 anos; na África, a idade mais alta é a do Egito (15 anos); nos EUA, varia de 6 a 18, conforme a legislação de cada Estado. Por que países da América do Sul, como Brasil, Colômbia e Peru se fixaram no número 18?
PELARIN: Antigamente, a maioridade penal do Brasil era inferior a 18 anos. No Império chegou a ser 12 anos, 14...Até na República, tivemos períodos em que ela era aos 14, aos 16 etc. Esse fenômeno de alguns países da América do Sul elevarem a idade penal para 18 anos aconteceu porque eles sofreram uma influência ideológica de esquerda maciça no direito penal como ainda sofrem. O direito penal brasileiro era carregado de ideologia de esquerda, onde tudo que venha a significar restrição de liberdade, pena imposta pelo Estado capitalista é ilegítimo, é opressão. Então, nessa questão da maioridade penal, há um forte conteúdo ideológico. Todos esses países têm nas suas impressões digitais, no seu DNA, essa ideologia de esquerda que coloca o direito penal como ilegítimo, opressor, excludente. E não é só na questão da maioridade: em qualquer outra questão de pena, sempre há quem diga: Não se pode prender porque tem que educar. Nunca encaram a pena como retribuição. Meu entendimento é que existe uma carga política muito forte nessa questão. Procuro fundamentar minhas convicções nas áreas que podem fornecer isso. O direito não fornece as respostas, que é fornecida, isso sim, por quem estuda a pessoa no seu psiquè a psicologia e a psiquiatria. Tenho observado que, naquilo que concerne ao crime, ao erro, a psicologia demonstra que pessoas de 14 anos, às vezes menos, têm compreensão sobre o significado do que é erro ou do que é crime. Fala-se muito em compreensão, mas não consigo admitir que um menino de 16 ou 17 anos não saiba que é errado matar, roubar...É evidente que sabe. Sob esse aspecto, tenho convicção.
CIDADÃO: No caso dos adolescentes que provocaram a morte do Rafael Barreto, na semana passada, por um motivo claramente fútil uma pipa -, o sr. acredita que exista a decantada influência subliminar da violência que se vê no cinema, na TV e até nos videogames? É um fator preponderante?
PELARIN: Preponderante, não. Nem videogame, nem TV, são preponderantes para que um jovem ou maior de idade vá cometer um crime. Até porque, hoje em dia, a quantidade de filmes violentos que passa na televisão é tão grande que, se formos levar isso em conta, teremos que fazer um estudo crítico muito profundo. Se essa influência fosse preponderante, haveria muito mais homicidas. Insisto que qualquer um de nós, do povo, que cometermos um crime porque temos o livre arbítrio o fazemos de forma consciente, salvo o cidadão que tem algum problema mental. Então, quando o cidadão age de forma consciente, ele evidentemente tem seus freios, sabe que está errado. Não será um filme, um videogame que agirá de forma preponderante em sua mente. Ele comete o crime pela sua consciência. No caso que aconteceu na semana passada em Fernandópolis, algumas pessoas me disseram que era preciso abolir a pipa! Se fosse assim, teríamos que abolir a pipa, a TV, o videogame...Temos é que responsabilizar quem comete o crime. É a velha história: se lavamos o bebê sujo na água da banheira, e queremos limpar a água, temos que tirar o bebê. Não podemos jogar a água fora com o bebê dentro. Ou seja, temos que responsabilizar quem comete o delito, e não ficar deduzindo que essas influências é que são preponderantes.
CIDADÃO: E a questão das drogas? É correto associar a escalada da violência ao consumo e tráfico de drogas?
PELARIN: Aí, sim. É um setor em que há uma interferência muito mais direta. Também não é preponderante, mas há uma interferência mais forte, porque a droga atua com maior vigor no físico do indivíduo do que um filme. Nesse aspecto, a droga tem interferência maior, mas também não é preponderante porque há muitos consumidores a maioria que não são homicidas. Na realidade, o maior problema da droga é a mercadoria droga em si, porque um sujeito muitas vezes comete um crime não só sob influência da droga mas também porque está devendo, precisa comprar mais droga, está sendo pressionado pelo seu fornecedor.
CIDADÃO: O Brasil tem saída, do ponto de vista social?
PELARIN: Quem sou eu para responder uma pergunta dessa magnitude?! Nós devemos ser mais simples na análise das coisas. Sempre levo isso em conta no meu trabalho e acho que cada um deve fazer a sua parte, e bem feita. Cumprir o seu papel social da melhor forma que puder. Acho que um dos grandes problemas que nós temos no Brasil é o relaxamento natural do brasileiro. Em certos aspectos é excelente a existência desse relaxamento, mas nós passamos do limite. O brasileiro de forma geral é meio preguiçoso, seria preciso levar as coisas com mais seriedade. Também acredito que seria fundamental que houvesse menos interferência política no direito, e cada um desempenhar o seu papel. Não adianta o juiz querer apitar na Medicina, porque ele não domina essa área. Temos que ter mais humildade para entender as ações alheias, e que cada um, na sua profissão, dê o seu melhor. Se cada um fizer o seu melhor penso como Adam Smith todos se desenvolvem.