Anjos disfarçados de gente

20 de Agosto de 2025

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Anjos disfarçados de gente
Antônio Francisco de Jesus, 57, aposentado, levantou-se cedo naquela manhã para fazer um exame no posto de saúde. Sem ter veículo próprio, optou por tomar a circular e chegar mais rápido ao seu destino. Logo que entrou no ônibus, percebeu que o motorista não estava em seu perfeito juízo, quando ele passou a lhe desferir palavras ásperas. O homem parecia estar embriagado.

Quando o aposentado se aproximou para pagar a passagem, o motorista - agressivamente - o empurrou com o pé, para fora da circular. Antônio caiu com as costas na sarjeta e a cabeça em uma pedra. Sem prestar socorro, o motorista do transporte coletivo retirou-se sorrateiramente do local. O caso é antigo, ocorreu em 1998; mas até hoje o culpado não foi punido e, segundo a família, continua solto e vivendo como uma pessoa normal.

Já Antônio nunca mais foi o mesmo. Sem poder andar, ele vive sobre uma cama, à base de remédios, pomadas, injeções e cuidados diários. Por ter batido a cabeça, teve complicações neurológicas e foi parar em um hospital psiquiátrico. Não reconhecia as pessoas, por vezes as agredia e quebrava todos os móveis da casa.

“A vida do “Tonho” acabou, não anda mais, vive em cima de uma cama. Minha mãe cuidava dele, mas há dois anos ela também ficou doente, com Mal de Alzheimer, e no início deste ano não andou mais. Eu agora cuido dos dois. Por mês eu gasto cerca de R$ 1 mil com os dois. O meu irmão toma três injeções ao dia, para não ter que amputar a perna, pois é obeso. Toda semana tenho que mandar fazer um quilo de pomada – que custa R$ 75 e dura uma semana - para passar nas escaras (feridas). Tenho também gastos com os “fraldões”, pois tanto minha mãe quanto ele usam. E assim a gente vai lutando”, lamentou Ilda de Jesus Moraes, 52, irmã de Tonho.

Por ironia do destino, em agosto deste ano, Antônio e o motorista se reencontraram e tiveram que dividir um quarto na Santa Casa. “O Tonho o reconheceu na hora. Eu não conhecia o motorista, mas pela inquietação do meu irmão, percebi que tinha algo de errado.

Então pedi para que a enfermeira descobrisse o nome daquele paciente, foi quando descobrimos que se tratava da mesma pessoa. Imediatamente pedi para que tirassem meu irmão dali. Ele dizia que não tinha medo de matar e morrer e ria debochadamente. Ao ouvir suas palavras, meu irmão entrou em crise e precisou ser levado para UTI. Quando contamos aos enfermeiros a história, eles ficaram revoltados e queriam bater no homem. Mas nós preferimos aguardar a justiça de Deus. Só Deus pode fazer justiça”, disse.

“A vingança não leva a nada. Recentemente, o Tonho teve outra crise bastante perigosa, mas graças a Deus ele estava na Santa Casa. O médico disse que se ele não estivesse lá, não teria sobrevivido. Ele já teve dois infartos, derrame e diversas crises neurológicas. Essa crise forte que ele teve recentemente pode voltar a se repetir e se isso acontecer e ele não estiver na Santa Casa, não sei o que será de nós”, desabafou Ilda.

Na casa de Ilda, moram seis pessoas: seu marido, uma filha que é separada e tem um filho, Antônio e sua mãe Gersina de 74 anos. A renda curta da família mal dá para comprar os remédios. Ao final do mês faltam arroz, feijão e outros alimentos.

Porém, como Deus nunca esquece dos seus, antes, sempre envia “anjos disfarçados” para socorrer àqueles a quem Ele ama, Ilda e seus familiares têm sido amparados pela equipe da Promoção Humana da Igreja Católica, cujos integrantes – tal qual formiguinhas – se desdobram para servir à população carente de Fernandópolis.

Graças ao trabalho desse grupo, várias pessoas têm sido socorridas continuamente. “Nós procuramos realizar um trabalho não só de assistencialismo, mas vamos até as pessoas, vemos as suas necessidades, choramos com elas, oramos, vemos se estão precisando de comida. Doamos cestas básicas, fraldas, remédios. Fazemos tudo o que está ao nosso alcance e o que não está também”, disse Bertolina Franzener, conhecida por irmã Branca.

O trabalho desenvolvido por essa equipe tem sido um exemplo para muitos; contudo, “a seara é grande, mas os trabalhadores são poucos”. Ainda há muito por fazer e poucas pessoas disponíveis para ajudar, segundo Maria de Lourdes de Souza Santos, 59, que também faz parte da pastoral. “Se a população se unisse, esse trabalho seria bem maior.

Você passa nos bairros, por mais pobre que seja, você vê vários carros nas garagens, mas se uma pessoa cai doente e você pede aquele carro emprestado para levar no hospital eles dizem: “chamem o bombeiro ou a ambulância”. Ninguém quer socorrer. Você toca a companhia da casa do vizinho e ele diz que o carro está sem gasolina, mas é mentira. As pessoas não têm mais amor ao próximo. Se o povo tivesse um pouquinho mais de amor ao próximo a vida seria menos amarga e dura”, concluiu Maria de Lourdes.


Irmãs Catequistas Franciscanas


A equipe de reportagem do CIDADÃO chegou até a casa de Ilda por intermédio de duas irmãs catequistas franciscanas, que residem no bairro da Brasilândia em Fernandópolis. Bertolina Franzener – conhecida como irmã Branca – e irmã Romilda Weinrich, ambas do Sul do país, mais precisamente de Santa Catarina.

Entre os diversos trabalhos que realizam, a prioridade é a pastoral, onde atuam, sobretudo, nas comunidades de periferia. O trabalho mais envolvente, segundo elas, é a formação com catequistas, em todo o setor de Fernandópolis – que abrange mais os municípios de Cardoso, Meridiano, Macedônia, Mira Estrela e Pedranópolis. E com as lideranças em geral, onde o maior clamor é por formação bíblica.

“Nesse trabalho de formação nos deparamos com diversos desafios. Em primeiro lugar, a realidade em constante transformação, exige também uma formação permanente e de qualidade. Por outro lado, a complexidade da vida atual - que deixa as lideranças com tempo muito limitado para buscar a formação de que necessitam; lideranças que assumem muitas tarefas nas comunidades, por falta de mais pessoas que se disponham a colocar seus dons a serviço da comunidade; outras que, com facilidade desistem, por não conseguirem atender às exigências do emprego, da família e da comunidade ao mesmo tempo; a falta de recursos materiais, incluindo os espaços, muitas vezes inadequado e insuficiente, para um bom trabalho de formação”, disseram as irmãs.

Outro desafio destacado por elas é no campo da Promoção Humana. “Com o desenvolvimento do projeto Pró-alcool, a pobreza, a fome e as doenças aumentam assustadoramente. Para oferecer o Pão da Palavra (bíblia), é condição essencial que a pessoa tenha condições físicas dignas para acolher essa Palavra. Atendemos casos de pessoas acamadas há muitos anos, às vezes sem apoio dos próprios familiares”.

Para Branca e Romilda não tem dia ruim, todo dia é dia de trabalhar em prol dos necessitados, mesmo quando elas mesmas não estão bem. Como é o caso da irmã Branca que tem estado muito preocupada com sua mãe, que tem 85 anos e mora no Sul, onde houve diversas mortes em função da densa chuva. “Apesar de todo sofrimento no Sul, minha mãe sente muita saudades minha. Ela acha que eu deveria ficar lá, ao lado dela. Eu estou rezando para Deus mostrar a ela que a missão aqui é grande e que ela comece a compreender”, desabafou Branca.

Questionada sobre suas motivações para trabalho voluntário, ela responde: “Os preferidos de Deus nos ensinam tanta coisa maravilhosa que nos anima. Porque eles têm uma fé e confiança muito grande em Deus. Às vezes a gente precisa socorrer alguém e não tem nenhuma saída. De repente, no silêncio, Deus vai se revelando e abre os caminhos. E a gente tem que ter sensibilidade para perceber que é Deus agindo. Aos poucos a ajuda vem chegando e Deus vai se revelando. E providência sempre chega na hora certa. É um trabalho cansativo, mas muito gratificante”, conclui Branca.