A professora de Educação Artística Maria Olívia Garcia dos Santos Faria está se transformando numa espécie de instituição fernandopolense. Apaixonada pelo teatro sentimento que herdou do pai, o inesquecível Zé da Ótica, que, pouca gente sabe, tinha enorme talento interpretativo ela há anos desenvolve um trabalho formidável nas escolas da cidade, como diretora de grupos amadores. Este ano, Maria Olívia encarou o grande desafio de transferir seu trabalho para uma escola pública, de bairro periférico a EE José Belucio, no CAIC. Ela não temeu a empreitada. Encontrou apoio na direção da escola, nos professores e nos pais de alunos. A experiência lhe propiciou conhecer crianças incrivelmente talentosas, como o garoto Robertinho Roberto Alves dos Santos-, ator revelação da 14ª Mostra Estudantil de Teatro, recentemente encerrada. No final, a montagem de Pluft, o fantasminha, de Maria Clara Machado, ganhou o prêmio de melhor espetáculo, levando também as láureas de melhor direção (da própria Maria Olívia), melhor atriz (Beatriz da Cruz Lopes), melhor sonoplastia (Welington Luis de Carvalho) e melhor cenografia (Sandra Chimelli). De quebra, mais três indicações aos prêmios, para ator coadjuvante (Thales Pezati), melhor figurino e melhor maquiagem (Vera Bortoluzo). Sem dúvida, um resultado que alegra o coração da jovem diretora e deixa o marido Gilberto e os três filhos José Carlos, José Gabriel e Ana Clara orgulhosos da mulher e mãe que possuem.
CIDADÃO: Qual é o saldo deixado pela 14ª Mostra Estudantil de Teatro de Fernandópolis?
OLIVIA: O saldo foi muito positivo, porque além da organização ter sido muito boa, pudemos aprender muita coisa. É preciso dizer ainda que os jurados nos ajudaram a entender melhor nosso trabalho e a trabalhar melhor as crianças. Quer dizer, eles, os jurados, não se restringiram a julgar: tiveram uma participação importante de orientação.
CIDADÃO: Você considera que a mostra tem evoluído, com o passar dos anos?
OLIVIA: Acredito que com o pessoal que vem trabalhando mesmo, com continuidade, tem sido muito positivo. Porém, a criação sempre tem uma novidade. Às vezes, a gente vê uma coisa antiga, que já foi melhor. Outras melhoraram.
CIDADÃO: Os jurados gostaram da Mostra?
OLIVIA: O Sergio Buck e a Creusa Borges se surpreenderam com a qualidade encontrada, eles não esperavam tantos talentos numa mostra estudantil. O Sergio disse que esperava coisas mais simples, mais modestas. Eles foram embora contentes com o que viram, e nos aconselharam a jamais esmorecer. O Sérgio até falou que sempre encontraremos pedras no caminho, mas teremos que superá-las.
CIDADÃO: Depois de desenvolver seu trabalho num colégio particular, este ano você enfrentou o desafio de montar um espetáculo teatral numa escola pública, a EE José Belucio. As carências eram gerais ou você encontrou algum tipo de abundância?
OLIVIA: Foi uma surpresa. Quando cheguei à escola, a vice-diretora me disse: O pessoal daqui gosta muito de teatro. Comecei o trabalho e vi que eles realmente têm muito sentimento. É certo que estão mais afastados da informação, não dispõem de computador, só os da escola, que são poucos. Nem para fazer trabalhos escolares, estão mesmo afastados do mundo da informática. Ao mesmo tempo, porém, eles têm muita imaginação. Inclusive há cenas no espetáculo que eles me ajudaram a montar. Na verdade, em certas situações sou eu que embarco na deles.
CIDADÃO: Quais são os objetivos desse trabalho? Por que montar peças teatrais nas escolas?
OLIVIA: Nesse trabalho, educa-se o aluno como ator e educa-se a platéia para receber esse trabalho e jogar a energia de volta para o ator. Na realidade, o grande objetivo é sensibilizar a criança para que possa ver o mundo de forma mais aberta e fazê-la absorver esses novos ensinamentos. Como o aluno poderá desenvolver suas habilidades, se ele não desenvolveu sua sensibilidade para perceber a própria potencialidade? Minha maior preocupação é fazer isso aflorar com ou sem teatro. Isso pode ser obtido através da música, da dança, das artes visuais...
CIDADÃO: O teatro faz parte da grade curricular?
OLIVIA: Não, e esse é um sonho meu. Gostaria que pertencesse à grade, mas na verdade a única coisa que consta é um trabalho de oficina, onde nem todos são dados a aprender teatro. Gostaria que as instituições acompanhassem mais o trabalho dos meus amigos - diretores, e tal para que pudessem ajudar a gente a construir uma grade que tenha realmente o teatro como elemento presente.
CIDADÃO: Como os pais dos alunos receberam essa inferência do grupo teatral na vida dos filhos? A escola José Belucio situa-se num bairro pobre, de gente carente. Qual foi a realidade que você encontrou?
OLIVIA: Os pais dos meninos são pessoas muito simples. Antes de começar a montar a peça eu os reuni para explicar do que se tratava. Senti-me na obrigação de fazer isso, porque eu temia até mesmo que, no dia da apresentação, eles não me mandassem a criança, por não entender a extensão disso, o estrago que causaria a ausência de um ator. Achei que poderiam não dar o devido valor ao trabalho. Eu e a coordenadora fizemos a reunião com eles, ocasião em que pedi que eles assinassem a autorização para os filhos participarem. Fui surpreendida pela amabilidade deles. Os pais entenderam perfeitamente o meu propósito e me deixaram à vontade para trabalhar, para sair com as crianças, enfim, houve confiança, pelo que só posso agradecer.
CIDADÃO: Quais foram as pessoas que trabalharam com você?
OLIVIA: Antes quero dizer uma coisa: sem a união de toda a escola, o trabalho não sai. Uma andorinha só não faz verão. Tive a ajuda do diretor, o Cabral, que abriu as portas da escola para que o teatro funcionasse, e me deu de presente duas ajudantes fantásticas: a Vera Jurupoca, que na hora em que começou a trabalhar conosco, o projeto ganhou um colorido diferente; e a outra professora, a Sandra Chimelli, autora do cenário, até ganhou prêmio na 14ª Mostra. A Vera, além de ajudar no desenvolvimento das interpretações, acabou virando o meu coringa, quando uma das meninas foi embora da cidade. Eu não conseguia arranjar alguém para fazer aquele papel. Acredite ou não, a Vera fez o papel da protagonista da peça! Ela interpretou uma menina de 13 anos! Foi um verdadeiro presente ter a Vera do lado, porque ela simplesmente salvou tudo, e animou o ambiente com sua alegria natural. Imagine que o garoto que fazia o antagonista quis sair do elenco, quando a menina-protagonista foi embora. Ou seja, eu iria perder dois atores. A partir do instante em que ele viu que a Vera faria o papel da Menina Maribel, ele voltou correndo, porque queria contracenar com ela! Aí, tudo foi de vento em popa. Ah, quero dizer que nós vamos reapresentar o espetáculo, ainda não definimos a data, mas vai ser ainda em 2008. E, embora tenhamos tantas carências, nós vamos doar a bilheteria para a Orquestra de Cordas de Fernandópolis. Falei para os meninos: Nós vamos doar o nosso trabalho para a Cultura da cidade. Para mim, esse é que é o verdadeiro prêmio.