Um despacho do juiz Vinicius Castrequini Bufulin, da Comarca de Fernandópolis, que indeferiu pedido de adiamento do julgamento do advogado Edilberto Donizete Pinato, inicialmente marcado para 9 de outubro, suscitou uma interessante polêmica nos anais forenses.
Ocorre que Alberto Zacharias Toron, advogado que defende Pinato, requereu o adiamento do julgamento porque a data estabelecida coincide com o Dia do Perdão judaico, e Toron é adepto do judaísmo.
Por entender que o Estado brasileiro é laico e o serviço público não pode ser comprometido por questões religiosas, Bufulin indeferiu o pedido. Toron impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo e obteve liminar, despachada pelo desembargador Luiz Carlos de Souza Lourenço dia 3 de outubro.
A questão redundou em artigo publicado no último dia 4 na conceituada revista Consultor Jurídico, transcrito abaixo.
Júri em Fernandópolis é adiado para não coincidir com feriado judaico
por Priscyla Costa
O Estado é laico, mas o cidadão não necessariamente. Por isso, data de audiência, júri ou qualquer outro procedimento em que seja necessária a presença do advogado pode ser remarcado caso coincida com comemoração religiosa do credo do defensor.
O argumento é do advogado Alberto Zacharias Toron e foi aceito pelo desembargador Luís Carlos de Souza Lourenço, da 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, para determinar que o juiz de Fernandópolis (SP) remarque o julgamento pelo Júri de um réu acusado de homicídio simples, marcado inicialmente para o dia 9 de outubro.
Toron, que é judeu, fez uma petição ao juiz explicando que nesse dia não poderia fazer a defesa em Plenário, por ser Dia do Perdão, o Yom Kippur, a data mais importante e sagrada do calendário religioso judaico. O juiz indeferiu o adiamento sob o argumento de que a Justiça é laica e os servidores públicos não têm porque interromper seus trabalhos em razão de feriados religiosos.
O advogado entrou com pedido de Habeas Corpus no TJ paulista. Alegou que ainda que o Estado seja laico, os cidadãos não o são necessariamente. Ademais, o Estado é laico, mas protege a liberdade de crença. Segundo Toron, a Constituição Federal não só garante em seu artigo 5º, caput, a igualdade, como afirma ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
Abuso do poder de decidir que não se pode admitir. O Estado é laico, mas as pessoas não necessariamente. Estado Democrático de Direito que respeita a religião de cada um, sustentou Toron.
Ao contrário do afirmado pelo magistrado, o funcionamento do serviço público, se altera sim conforme as datas cristãs existentes em nosso calendário. Não é à toa, só para citar dois exemplos, que o Poder Judiciário não trabalha na Sexta Feira Santa e no Natal. Porque tais feriados religiosos justificam a suspensão do expediente forense e o dia de Yom Kippur, que para o impetrante tem significação religiosa da maior importância não pode levar ao mero adiamento de um julgamento, que, com a devida venia, não causará qualquer prejuízo à ação penal?, questionou Toron.
O criminalista ainda lembrou que foi contratado por seu cliente para cuidar de sua defesa no Plenário e que há claro desrespeito ao princípio da ampla defesa. O desembargador Lourenço acolheu o argumento. O adiamento do julgamento pelo Tribunal do Júri a pedido da defesa é perfeitamente possível a teor do que se depreende do artigo 456 do Código de Processo Penal, decidiu. Segundo esse artigo, se a falta, sem escusa legítima, for do advogado do acusado, e se outro não for por este constituído, o fato será imediatamente comunicado ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data designada para a nova sessão.