Dislexia não impede uma vida normal, assegura fonoaudióloga

20 de Agosto de 2025

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Dislexia não impede uma vida normal, assegura fonoaudióloga
A fonoaudióloga Cíntia Alves Delgado, mineira de Belo Horizonte, viveu também em Poços de Caldas e em Bauru, onde se formou pela USP. Atualmente, ela mora em Campinas, onde concluiu mestrado e é doutoranda pela Unicamp.

Convidada pela faculdade de Fonoaudiologia da FEF para fazer uma palestra na última quarta-feira, Cíntia antes concedeu esta entrevista a CIDADÃO. Diferentemente do arquétipo do mineiro – dizem que mineiro trabalha em silêncio – ela falou bastante sobre o tema da palestra, a dislexia – uma doença que ao mesmo tempo a preocupa (pelos problemas psicológicos e sociais que pode trazer ao paciente) e a fascina, pelo avanço que a ciência tem obtido no tratamento, especialmente no Brasil.

CIDADÃO: A sua palestra na FEF tem como tema “Dislexia – Diagnóstico e Intervenção”. Afinal, o que é a dislexia?
CINTIA: Tecnicamente falando, a dislexia é uma disfunção neurológica que acomete a criança, e tem o diagnóstico geralmente no início da fase escolar, quando a criança começa a aprender a ler e escrever, e aí ela apresenta uma disfunção nesse aprendizado. É uma criança com inteligência normal, que vai bem em qualquer outro aspecto cognitivo, mas tem dificuldades específicas no ato da leitura e da escrita. Geralmente, o professor observa que a criança vai bem e outras atividades ou em matérias como a matemática, mas não apresenta bom desempenho ao ler e escrever.

CIDADÃO: Quando você diz “ler”, é no sentido da apreensão, ou no ato da leitura?
CINTIA: É de tudo. Existem várias características observáveis ou não nas crianças com dislexia. Às vezes, uma criança com 10, 11 anos, não consegue nem identificar as letras do alfabeto. Outras vezes, aparece uma criança com dislexia que tem uma leitura muito mais lenta do que a gente espera para a sua idade escolar. Atendi uma criança de 12 anos que, ao ler, tinha dificuldade em decodificar a ordem dos sons das letras. Então, basicamente, a causa da dislexia estava no que chamamos de déficit fonológico. Na outra criança, o ato de processar a informação de ler, o cérebro não funciona direito.

CIDADÃO: Mas como acontece esse processo?
CINTIA: Há uma teoria segundo a qual existem vários tipos de dislexia. Há alterações no processamento fonológico, ou dos sons; das letras e no processamento visual. A teoria mostra que a criança disléxica tem dificuldade no movimento ocular. Na hora da leitura, ela não tem uma boa fixação do que visualiza. Isso cria as dificuldades; conseqüentemente, ela terá dificuldades para escrever. Por isso é que, muitas vezes, elas têm letra feia, não conseguem formular um texto direito, escrevem pouco, trocam letras...A troca mais comum é a dos sons, como o “p” pelo “b”, o “t” e o “d”, que têm sons parecidos.

CIDADÃO: Procede a afirmação de que há casos de crianças com dislexia que são verdadeiros gênios?
CINTIA, Não, isso é um mito, uma lenda. Qualquer criança terá uma habilidade para determinada tarefa. A criança com dislexia – que efetivamente tem uma inteligência acima da média – não é necessariamente muito mais inteligente do que os outros. O que acontece é que, como elas têm dificuldades em ler e escrever, essas crianças acabam, quando bem aproveitadas, desenvolvendo outras áreas e se destacam. Na verdade, a criança com dislexia não tem qualquer dificuldade cognitiva. Há aptidões, sim. Falam por exemplo que o Einstein era disléxico, por isso era muito inteligente. Não é por isso. É realmente um mito. Não é condição, enfim, que a dislexia transforme a criança em mais inteligente do que as outras.

CIDADÃO: Quais são os reflexos psicológicos que podem advir dessa doença?
CINTIA: Esse ponto é muito importante. Inclusive, ultimamente as pessoas que atuam no setor têm atentado um pouco mais para essa questão. Fazemos um trabalho na Unicamp de observação dessas crianças disléxicas e constatamos uma sintomatologia depressiva nelas. Então, quanto mais “velha” a criança, maiores serão suas dificuldades no ambiente escolar e apresentarão mais sintomas depressivos. É um trabalho que está sendo feito com o psicólogo da nossa equipe, que tem observado freqüentemente esse fenômeno. Quanto mais frustrações a criança tem no ambiente escolar, mais sintomas de depressão ela apresenta. Antigamente, não havia uma preocupação efetiva com esse aspecto. Estudavam-se mais os sintomas que o disléxico apresenta, sem dar o devido peso ao emocional. É preciso atentar sempre para a questão do problema emocional. Vou dar um exemplo: um dos nossos pacientes, no ano passado, evadiu-se da escola porque estava com uma depressão tão grande, uma auto-estima tão baixa, uma frustração tão intensa com o meio escolar, que não conseguia mais sair de casa. Tivemos que inserir um tratamento psiquiátrico, com antidepressivos. A depressão acaba sendo uma co-morbidade da dislexia. Nesse caso, tivemos que esquecer por um tempo o foco, que era a leitura e escrita, para tratar dessa patologia associada. Feito o tratamento psiquiátrico, ele retornou ao tratamento da dislexia.

CIDADÃO: Do ponto de vista terapêutico, onde é que entra o profissional da fonoaudiologia?
CINTIA: A fonoaudióloga é imprescindível no tratamento das crianças com dislexia, porque as alterações que ela terá, no primeiro momento, serão de linguagem. O fonoaudiólogo, desde o ensino infantil, quando a criança está no desenvolvimento da fala, tem que acompanhá-la. Isso porque quanto mais cedo forem descobertos indícios da doença e for iniciado o tratamento, melhor. Conheço uma criança de 5 anos que teve um atraso no desenvolvimento da linguagem oral e está tendo dificuldades no ensino infantil. A fonoaudióloga que trabalha com ela na oralidade já começou a trabalhar alguns aspectos da fonoaudiologia para estimular essa criança. Não há como prevenir. Só há como intervir precocemente.

CIDADÃO: Como os pais devem fazer para identificar sinais desse problema?
CINTIA: No ensino infantil, é preciso tomar muito cuidado porque o diagnóstico só é feito a partir dos oito anos, quando existe a certeza de que a criança já passou pelo processo de alfabetização. Não se pode afirmar que a criança tem dislexia antes de ser alfabetizada. Mas existem os chamados sinais sugestivos da dislexia. Ou seja, a criança que mostra dificuldades para começar a falar, trocou falas, não consegue fazer rima – embora isso não seja afirmativo da doença – é um sinal a ser anotado. No início da alfabetização, a dificuldade para juntar as letras e formar sílabas pode ser outro sinal. É importante fazer uma avaliação – que, é bom que se frise, não é só feita por fonoaudiólogos. A equipe geralmente tem um psicólogo, um psico-pedagogo, o fonoaudiólogo e a própria escola. É muito importante que quem faz avaliação clínica entenda tudo referente à escola. O professor é peça fundamental no diagnóstico, porque é ele que está com a criança no dia-a-dia, e sabe analisar como vai a condição pedagógica da criança. Além disso, a criança deve ser encaminhada ao neuro-pediatra, que fará um diagnóstico de exclusão, para descartar a hipótese de epilepsia, ou algum outro problema neurológico, que não pode estar associado à dislexia.

CIDADÃO: A dislexia é endógena ou pode ser provocada por fatores exógenos?
CINTIA: Antigamente, existia um rótulo, uma contradição. Havia linhas da lingüística e até mesmo da pedagogia que consideravam que se tratava de um problema sócio-cultural. Hoje, com o avanço da neuro-imagem, da genética, já sabemos que não é assim. Claro que os fatores ambientais influenciam muito, e podem piorar um quadro de dislexia. Mas ela é basicamente genética.

CIDADÃO: A saúde pública tem se ocupado desse problema?
CINTIA: Olhe, a lei da inclusão social vai beneficiar os deficientes – físico, visual, auditivo. As escolas certamente se mobilizarão para obter a adequação física do ambiente escolar que recebe os deficientes. No caso dos distúrbios de aprendizagem, sabe-se que há um projeto de lei para inclusão de crianças com dislexia.

CIDADÃO: É possível para a criança com dislexia levar uma vida normal e ser feliz?
CINTIA: Com certeza! Acredito que todas essas crianças, com uma boa intervenção, serão felizes. Tenho exemplos concretos que são prova disso.