Vida de artista em Fernandópolis

20 de Agosto de 2025

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Vida de artista em Fernandópolis
Daniela Ortolan

Sempre fico atenta às datas comemorativas, pois elas rendem alguma matéria interessante. Ainda mais nesta cidade onde a diversidade prevalece.

Neste mês de agosto, algumas datas me chamaram a atenção: dia 12 – Dia Nacional das Artes; 19 – Dia do Artista de Teatro; e 24 – Dia dos Artistas. Logo agosto, o mês tão depreciado, tido como aziago...

Quando vi essas datas especiais, perdeu – para mim - todo o sentido de “mês do desgosto” e adquiriu um ar de “a gosto”. Já que nem de feriado esse mês é provido, reivindico, então, três dias de descanso e de boas doses de arte.

Para representar as diversas formas de manifestação artística, fui ouvir o artista plástico Bira Torriceli, a diretora e atriz de teatro Rina de Almeida e o músico Flávio Boni.


Artes Plásticas
Bira trabalha em sua casa, usa papel, lápis, giz de cera, pastel e às vezes carvão. Com esses materiais cria desenhos cheios de técnica, precisão e beleza. Não é à toa que tem suas obras expostas em grandes salões de artes por todo estado. Entre eles em Franca, Catanduva, Araras e capital.

É visível que seu trabalho é impar – há quem diga que há influências de Picasso, Portinari e Di Cavalcanti – mas Bira não faz nem releituras desses artistas, apesar de gostar muito. “Eu não tenho influências de nenhum artista, faço aquilo que eu desenvolvi, o que eu gosto de fazer”, explica.

Até mesmo quando é chamado para dar aulas de desenho, recusa. “Não vou ensinar a copiar, sou totalmente contra. Os artistas devem criar e desenvolver seus estilos”, adverte.

Bira conta que década de 80, quando ainda não havia faculdades em Fernandópolis, existiam vários movimentos estudantis no período de férias, organizados por jovens fernandopolenses que iam estudar em outras cidades. “Antes os jovens pediam emprestados salões desocupados para fazer exposições de arte, todos se mobilizaram para o evento. E hoje que existem duas instituições universitárias e o Centro Cultural Merciol Viscardi, não acontece nada de iniciativa dos estudantes”, lamenta.

O artista ainda reivindica mais espaços para os que estão iniciando na arte para que o interesse pelas artes plásticas não morra na cidade.


Música

O músico Flávio Boni tem apenas 23 anos e um currículo extenso na área. Começou seus estudos aos oito anos de idade e desde então não parou mais. Estudou violão, guitarra, contrabaixo e canto. Aos 16 anos já estava ministrando aulas em Jales e Votuporanga.

Quando o músico Ricardo Moisés saiu em busca de sua carreira em outras cidades e participou de programas de TV, passou suas aulas ao Boni, que fez jus à confiança depositada.

Flávio dá aulas na escola musical RHM e particulares em sua casa, onde construiu uma sala especial, com uma infraestrutura adequada para suas aulas. Além disso, trabalha também no CRAS ministrando aulas de violão para as crianças e os adolescentes. “Formandos uma família. Eles me respeitam muito, não querem perder as aulas, porque sabem que se faltarem, perderão a vaga, pois tem muitas crianças esperando; temos apenas oito violões.”, explica Flávio.

O músico foi vocalista da banda Homoplata, que fez sucesso na cidade e região por oito anos. A banda era composta também por João Alex, Rodolfo e Renan Busutti. “Acredito que de Rio Preto a Santa Fé do Sul, muitas pessoas ouviram as músicas Um anjo do céu e Almas gravadas pela banda”. Os trabalhos pararam no ano passado devido ao pouco espaço para o rock na nossa região. “Tínhamos um trabalho bom nas mãos, eu acreditava nele. Recebemos a proposta de ir embora para a capital, mas ficamos com receio de ir. Porque família, trabalho, amigos, namorada, isso vai pesando. Eu, o João e o Rodolfo ficamos, mas o Renan foi e se deu bem”, explica. “Pensei muito nos meus alunos, eu já tinha mais de cinqüenta. Vai que não dá certo? Pintava aquela interrogação na minha cabeça. Mas ao mesmo tempo eu pensava: ‘eu sou novo, dá tempo de errar bastante até acertar’”, brinca.

Boni ressalta sobre o pequeno espaço que tem na nossa região para as bandas de rock e o quanto ele é amplo para as duplas sertanejas. “Você pode ver que a cada semana aparece uma dupla diferente e as portas para o rock vão fechando. Talvez seja uma questão cultural, só sei que se não fosse o Chalé Acústico, o rock não teria lugar na cidade”, explica.

Segundo Flávio, o interesse pelo rock tem aumentado, principalmente entre os jovens. “Como professor, procuro apresentar coisas novas, mostrar que o rock tem um bom conteúdo. E quando falo de MPB, muitos abominam, então eu mostro que tem muita MPB que não está tão longe do rock”.

A dica que Boni dá para quem está começando é persistência. “Tem gente que começa muito animada e depois vai desanimando porque não treina em casa. E também tem a questão da idade. Procuro trabalhar com crianças acima de oito anos devido ao tamanho da mão, para que não tenha dificuldade e também na questão da voz, tem muitos exercícios para articulação, respiração e a criança não quer saber disso, só quer saber de cantar. Não podemos passar por cima disso”, explica.

Para quem quiser começar a estudar música, Flávio sugere fazer uma pesquisa, procurar o profissional que vai realmente ensinar e não vai levar as aulas de qualquer jeito como acontecia na cidade antigamente.

Para Boni, a perspectiva de futuro é abrir uma academia artística. “Eu penso em um sobrado: uma loja de instrumentos musicais embaixo e em cima e nos fundos, salas para aulas de artes”, planeja.

Enquanto o sonho não se concretiza, Flávio já está pensando em subir as paredes de mais uma sala de aula em sua casa, onde o músico Ronaldo Tomé também dá aulas e pretende encaixar aulas de contrabaixo com o Celso, seu antigo professor. “Enquanto for possível trabalhar em casa, vou tocando. A partir do momento em que não for, a concretização da academia é inevitável”, almeja.


Teatro
Para mim, falar de teatro é saboroso. Faz parte da minha adolescência, da minha formação e da minha história (mesmo que ainda curta). E falar de teatro e não falar em Rina Almeida é até pecado.

Rina iniciou sua carreira aos 17 anos e já contabiliza 24 anos de teatro. Foi quando conheceu o professor Luiz Henrique Catanozi e uma das grandes desbravadoras da cultura em Fernandópolis, a Iraci Pinotti. Juntos fizeram cursos com gente renomada do teatro como Wilma de Souza e Zeno Wilde no fim da década de 80.

Nessa mesma época fundaram o S.O.S. Teatro e montaram peças como “O trem fantasma”, “Todas as histórias já foram contadas”, “Como o vento”, “O grito do cachorro”, “Baú de Retalhos” e “Palhaços”. Zecão Araújo, o homem das serestas, também participou deste quadro.

Pouco tempo depois, Rina já estava na direção do grupo quando montaram o espetáculo “A Vaca Lelé” de Ronaldo Ciambroni, um dos espetáculos mais premiados em festivais e mostras em todo o país.

Em seguida trabalhou na co-direção, juntamente com Eduardo Catanozi, do espetáculo “Lampião e Maria Bonita no reino Divino” e trabalhou no início da montagem da peça “Um trágico acidente”, porém, engravidou de seu segundo filho e precisou se afastar do S.O.S. Teatro.

Esse afastamento foi definitivo – Rina não voltou mais para o grupo, mas iniciou novos projetos. Foi contratada pela prefeitura para orientar os grupos teatrais das escolas do município para participarem da Mostra Estudantil de Teatro desde sua primeira edição, em 1994.

A cidade ainda não tinha um teatro, apenas cinemas e salões adaptados – além da força de vontade dos artistas. “Éramos felizes e não sabíamos. Os recursos eram escassos, ensaiávamos em qualquer quintal, mas era muito bom”, lembra Rina.

Certa vez, Rina resolveu abrir uma escola de teatro chamada Elite. No começo, tudo certo. Salão alugado, telefone instalado, alunos foram aparecendo e com eles muita vontade de aprender. Porém, muitos não tinham condições de pagar pelo curso e Rina, coração mole e defensora do “faça teatro independente de qualquer coisa”, aceitava alunos gratuitamente. Assim como chegavam alunos, também chegavam as contas para pagar. Resultado: a escola Elite faliu, mas o amor pelo teatro, não.

Há sete anos foi aprovada no concurso da prefeitura e seu trabalho na organização da Mostra passou a ser efetivo e as escolas mais independentes na hora de montar seus espetáculos. Novos diretores surgiram, professores se aventuraram na direção – e isso se tornou hábito. “Fico muito feliz em ver pessoas que foram meus alunos, que começaram nas escolas e hoje dirigem espetáculos. Isso deixa claro que a mostra deu certo, formou atores e diretores”, conta a atriz.

Este ano será o primeiro sem a Rina na comissão organizadora. Segundo ela, o seu tempo acabou. Pode até ser, entretanto, um outro tempo encantador está apenas começando.

Como foi mesmo que ela disse? Ah, sim: “O teatro é a minha vida, eu sempre quis isso. Foi tanta dedicação, mas não posso viajar muito, afinal, sou mãe, esposa, avó, estudante universitária”. Uma mulher que consegue ser tudo isso e ajudar efetivamente a construir a história do teatro fernandopolense, nunca terá seu tempo esgotado.

Rina é a conselheira oficial, aquela a quem procurar para tirar dúvidas e ouvir a verdade sobre o trabalho, com o mesmo carinho que sempre dedicou.

O teatro na cidade ganhou boas proporções, sempre que há apresentações, a casa fica lotada. Segundo Rina, todas as vezes que se anuncia um novo espetáculo na cidade, as pessoas já começam a telefonar reservando seus ingressos.

“Tem sempre aqueles ‘cadeiras cativas’, estão aqui em todas as apresentações. E a variedade de idade é muito grande, vejo muitos jovens vindo ao teatro como também muitos adultos”, explica. E ainda conta que aqueles momentos dos avisos como “sem colar chicletinho na poltrona”; “se você se sentar assim vai quebrar o assento” e “durante o espetáculo não pode haver conversa”, acabaram de vez. “As pessoas vêm mais conscientes ao teatro, sabendo que é um patrimônio a ser preservado e que só traz coisas boas para nossas vidas”.

A arte nasce estampada na pele, ou como diz a Rina, “arte é sangue”. Sem dúvida. Mas é, sobretudo, uma forma diferenciada, sensível e criativa de observar o mundo à sua volta – e lhe devolver, em forma de arte, as sensações absorvidas.