Professoras usam “quadros vivos” para estimular a percepção da cultura

20 de Agosto de 2025

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Professoras usam “quadros vivos” para estimular a percepção da cultura
Quem quiser conhecer um trabalho absolutamente fascinante – e sem pagar ingresso – não deve perder o Sarau Universitário da FEF, na noite do dia 26, na Casa de Portugal. É que a professora Julia Francisca Gomes Simões Moita, de Ciências Sociais e responsável pelo FEF Virtual, e sua colega Elaine de Araújo Silva, professora de Metodologia do Ensino Fundamental, criaram com os alunos de oito cursos da Fundação – Letras, Ciências Biológicas, História, Geografia, Matemática, Química, Educação Física e Pedagogia – a mostra denominada “Quadros Vivos”, onde os estudantes “recriam” obras da pintura brasileira e universal, reproduzindo com seres vivos – pessoas, plantas, até peixes – as obras de Rembrandt, Picasso, Monet ou Di Cavalcanti, entre outros. Na mostra desse ano, o tema é o Modernismo no Brasil. Nesta entrevista, as professoras contam detalhes do projeto e falam de sua batalha para resgatar a cultura não-massificada e criar no corpo discente uma consciência crítica do mundo que o cerca.

CIDADÃO: O que é o “Sarau Universitário”? Como começou?
ELAINE: O ISE – Instituto Superior de Educação – realiza a semana das licenciaturas, que envolve todos os cursos. Há cinco anos isso acontece. Há dois anos, o Dr. Durval Romanholi, coordenador do ISE, pediu à Julia Moita, diretora de Arte e Cultura, que criasse algum evento para integrar os alunos das várias licenciaturas da FEF. Ela me convidou para participar desse trabalho. Surgiu então a idéia do “quadro vivo”. Numa das aulas do 6º semestre de Pedagogia, fiz com que os alunos recriassem quadros vivos de obras de arte de pintores famosos. Acabou tendo muita qualidade, e os alunos gostaram de fazer. A Julia, então, propôs fazer o trabalho envolvendo toda a instituição. Foi uma loucura, porque houve um quadro por série, num total de 23 quadros! A mostra foi na Casa de Portugal, um verdadeiro sucesso. O interesse pedagógico é que o aluno tem que pesquisar, se envolve nas buscas, que lhe dão retorno cultural.

CIDADÃO: Método global de ensino?
ELAINE: Sim. E queremos aplicar o que já fazíamos na escola pública. O resultado foi fantástico, inclusive porque todos queriam ver os quadros uns dos outros. Então, tinha apóstolo no quadro do Di Cavalcanti, mulata na Ressurreição de Cristo, um verdadeiro samba do crioulo doido. Era um trabalho tridimensional, com cheiro, movimento e muita cor. Além disso, a liberdade de criação permitiu verdadeiros achados, como a “Pietᔠdo Michelangelo adaptada para o Brasil, com a violência urbana.

CIDADÃO: O Sarau Universitário deste ano vai acontecer quando?
JULIA: No ano passado, aconteceu em setembro. Este ano, porém, será nos dias 25 e 26 de agosto, na Casa de Portugal, a partir das 20h.

CIDADÃO: Parece que este ano o evento é temático, baseado no Modernismo e na Semana da Arte Moderna de 22, não é?
JULIA: Não só a semana de arte, mas o Modernismo no Brasil de uma maneira geral. No ano passado, alguns alunos reclamaram que a distribuição dos quadros – uns modernos, outros renascentistas – levavam os jurados a ter uma certa preferência pelo Modernismo. Quem pegou períodos mais clássicos se sentiu injustiçado.
ELAINE: A chiadeira foi igual a resultado de desfile de escolas de samba (risos)
JULIA: Pois é, mas acabava ficando uma coisa meio incomparável, porque num quadro moderno é possível inventar muito, enquanto que o quadro mais clássico leva os alunos a ficarem mais presos à forma. Não tem como fugir muito. É legal fazer um Renoir, fica bonito, mas os autores acabam ficando muito presos à forma original.

CIDADÃO: Do ponto de vista pedagógico, qual é o ganho cultural que vocês esperam que o aluno tenha com esse projeto?
JULIA: Acho que o aluno precisa de uma formação cultural, e até acredito que ele busca esse background cultural. É questão de bagagem, de ter contato com os ícones e os símbolos da arte ocidental. Infelizmente, a geração atual é alienada em relação a essas informações.
ELAINE: É só churrasco, Expô...
JULIA: É papel da faculdade lutar contra essa alienação. Questão de oportunidade. Precisamos dar-lhes acesso à cultura. Notamos que depois que os alunos entraram no projeto do quadro vivo, aos poucos eles foram se entusiasmando, pesquisando. O mais legal é que chega um dado momento em que eles passam a lidar com naturalidade com a proposta. Quem monta um quadro da Tarsila do Amaral, por exemplo, cria uma intimidade necessária para gostar. Pra gostar de arte, é necessário criar essa intimidade. Aquela coisa de museu cria uma relação muito “sagrada” com o trabalho, de olhar de longe, sem tocar e sem interagir. No quadro vivo, o aluno muda, pensa, modifica, acrescenta. Eles usam inclusive o computador para entender os jogos de luz e sombra, etc.

CIDADÃO: O próximo domingo, 24, é o Dia Nacional do Artista. Com base nisso, uma repórter de CIDADÃO fez entrevista com artistas locais e um deles, o Bira Torricelli, disse uma coisa inquietante: quando não existiam faculdades em Fernandópolis, havia efervescência cultural produzida por estudantes universitários. Hoje, com duas grandes instituições de ensino, não existe esse tipo de manifestação. A que vocês atribuem esse fenômeno?
ELAINE: Eu, como participei de todo esse processo dos anos 70 para cá, posso dizer que isso acontece mesmo. Antes, havia movimentos importantes como a Semana Universitária da AFA, o TAF, a AUF. Houve espaço para manifestações culturais. Acho que o grande problema é mesmo a massificação, os grandes shows de produção esmerada, mas de qualidade artística duvidosa, a influência da mídia...Aliás, esse é um dos motivos pelos quais fui convidada a desenvolver esse trabalho na FEF: a tentativa de resgatar esses valores. O positivo é a atitude da faculdade, de se preocupar com isso.

CIDADÃO: Outro dado positivo nesses novos tempos é a construção do Teatro Municipal “Merciol Viscardi”, que é um ponto de referência como espaço físico, não acham?
JULIA: É um ponto de convergência fundamental. Temos que formar gente preparada para a vida, não artistas. Nosso objetivo é criar condições para que o aluno desenvolva uma visão crítica dos fatos que o cercam, que saiba questionar. A arte deixa de ser um elemento do cotidiano. Essa visão acadêmica, “de museu”, acaba fazendo com que artistas “subversivos” como Picasso e Van Gogh se tornem exatamente aquilo que eles combateram.
ELAINE: Tentamos mostrar aos alunos esses riscos da arte se prostituir. De repente, o modernismo vira erudito, isso é triste.
JULIA: É verdade. Hoje encontramos artistas contemporâneos confinados em museus, quando eles lutavam exatamente contra essa maneira de encarar a arte. A Yoko Ono, por exemplo, sempre combateu essa maneira de encarar a arte, e hoje, ela virou peça de museu.

CIDADÃO: Gostaria de falar da vertente “música”. Se você, Julia, fosse presidente da Exposição Agropecuária, que é disparado o evento em que o poder público e os empresários de Fernandópolis mais investem do ponto de vista artístico, você mudaria a estrutura dos shows?
JULIA: Acho que existe um círculo vicioso: a comissão traz quem o público quer ver, e o público quer ver porque só tem isso. Se trouxerem o Zeca Baleiro, por exemplo, pode ser um risco.
ELAINE: Na minha opinião, deveria ter pelo menos uma noite para a MPB. Não se esqueçam de que o show da Elba Ramalho, Zé Ramalho e Geraldo Azevedo, anos atrás, foi lindo, lotou e o público gostou. A comissão deveria ouvir o público antes de contratar. Será que não temos público para a MPB? A verdade é que a Expô não dá oportunidade para o público universitário.

CIDADÃO: É a ditadura da botina e chapéu...Bem, para encerrar, gostaria de saber os detalhes do Sarau Universitário. A entrada é franca?
ELAINE: Sim. E gostaria que não se perdesse de vista que nosso objetivo é o envolvimento cultural do aluno. Queremos formar profissionais diferenciados. A Fundação está preocupada e totalmente empenhada em dar aos alunos dos cursos de licenciatura essa condição intelectual.