O juiz Evandro Pelarin nasceu em Jales há 36 anos. Formou-se em Direito pela Unesp de Franca e em História pela FEF. Casado com Fabiana, pai de Laura, palmeirense apaixonado, Pelarin, à frente da Vara da Infância e Juventude da comarca de Fernandópolis, se tornou conhecido nacionalmente por algumas decisões heterodoxas que tomou, visando à adequação da lei à realidade dos fatos ou vice-versa. Mas que não se espere do juiz a pose de erudito ou que faça longas divagações acadêmicas: ele próprio se considera um operário do Direito. E, se for preciso, volto a vender parafusos, disse ele um dia, em referência à profissão de sua adolescência, na loja do pai.
CIDADÃO: Quando iniciou essa cruzada contra as drogas e a favor da disciplina, o senhor imaginava que iria se transformar numa espécie de paladino dos pais e mães de Fernandópolis?
PELARIN: Não quero parecer deselegante com vocês. Porém, preciso ser honesto com meus sentimentos e com meu pensamento. Não iniciei cruzada alguma. Tampouco sou referência de disciplina ou paladino de moralidade para quem quer que seja. Apenas - e tão-somente - entendo que o juiz deve cumprir a lei. Aliás, é para isso que sou pago. E a lei do menor, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente, manda o juiz livrar os menores das drogas (álcool, maconha etc). A lei prescreve a ordem e a disciplina na sociedade. Ou seja, minha atuação não vem de meus desejos, de minha vontade. Vem do cumprimento da lei. Em suma, quero cumprir minha função. Cumprir a lei e ajudar na distribuição da justiça. Nada, além disso. Por fim, pese um pouco de rudeza nessa minha resposta, não escondo de ninguém que fico feliz com muitos pais. Não só pelos gestos de carinho que recebo. Mas, principalmente, quando ouço que eles estão mais preocupados com a educação de seus filhos. É muito bom ouvir pais interessados, que demonstram responsabilidade. No fundo, isso significa que a lei está sendo cumprida.
CIDADÃO: Essa dependência dos pais da tutela do Estado não é uma demonstração de derrota da educação doméstica? Por que isso acontece?
PELARIN: A educação doméstica não está derrotada. Ao contrário. Ela tem ressurgido com vigor. A imensa maioria dos pais é diligente; quer o melhor para os filhos e educa para isso. E não digo assim para fazer média com as pessoas. Não preciso disso. No entanto, infelizmente, devemos reconhecer que alguns pais cedem ao próprio desmazelo. Como não querem dureza (porque educar não é tarefa fácil), passam a depender do Estado. Alguns chegam diante do conselheiro tutelar ou do juiz e dizem: não dou conta do meu filho, vocês podem tomar as medidas necessárias. Isso é a prova da negligência do pai ou da mãe. É o mesmo que dizer: não consigo educar, façam isso vocês. Coisa de gente preguiçosa (e me desculpem a sinceridade). E se estendermos, para além da educação, a questão da dependência do Estado, podemos afirmar que, no Brasil, essa dependência é crônica. Há um costume de se reclamar muito do Estado. E nem sempre o Estado está obrigado a tutelar as situações. Por exemplo: há muita gente que tem dinheiro e abre processo na justiça sem pagar custas, dizendo (mentindo) que é pobre. Outro exemplo: numa dessas madrugadas de trabalho, aqui no Fórum, certa mãe, alegando pobreza, insistia em se ver livre da multa prevista na lei, diante do filho bêbado, apreendido na operação. Quando batemos o pé e mostramos que ela tinha dinheiro, ela disse: Ah! Doutor, mesmo assim, põe aí (minta) no processo que sou pobre, só para eu poder escapar da multa. Ou seja, muitos querem dar jeitinho em tudo, principalmente, nas próprias responsabilidades, à custa do Estado ou escorando nele, sem o mínimo pudor.
CIDADÃO: Quando acontece um fato como o da última blitz, em que um menor foi apreendido com papelotes de cocaína, qual é a sensação que o Juiz da Vara da Infância e Juventude tem?
PELARIN: Sensação de que há muito trabalho pela frente. Nós, as autoridades de Fernandópolis, em vez de caminharmos como muitos em direção à tragédia ou cedermos diante do inimigo, seguiremos um curso firme em direção à segurança. Nossa equipe não é composta de românticos, daqueles que acham que vão mudar o mundo. Também não imaginamos um lugar melhor só porque temos boa vontade. Podemos ter uma cidade péssima e, ao mesmo tempo, lotada de gente de boa vontade. Ou seja, boa vontade, sem trabalho, não significa nada. Por isso, nossa equipe é composta de profissionais. Profissionalismo acima de intenções. Daí porque nós cremos, fervorosamente, que uma criança ou um adolescente a menos no mundo das drogas ou livre das mãos dos traficantes significa uma vitória, dentro dessa grande guerra que estamos travando. E nosso recado para traficantes e viciadores de crianças e adolescentes é bem simples: vamos pegar vocês, cedo ou tarde. E mais: nós não nos abateremos com facilidade. Enquanto não mudarem a lei, nenhuma força será capaz de impedir que nós a cumpramos.
CIDADÃO: O maestro da Orquestra de Sopros de Fernandópolis, Fernando Paina, sempre executa a música-tema de Missão Impossível quando o senhor está por perto. Por sua vez, o senhor brinca dizendo que esse é o tema da Vara da Infância e Juventude. Por quê?
PELARIN: No final de 2005, estive numa cerimônia no Comando Militar do Sudeste, em São Paulo. Ouvi de um general do exército a seguinte frase: o que é possível faremos agora; o impossível, daqui a pouco. Penso assim também. Enfrentar as drogas é muito difícil. Para muitos, impossível. Ocorre que nossa equipe não tem escolha, pois a lei manda livrar os menores das drogas. Claro que as drogas não vão acabar da noite para o dia. Porém, se a lei manda livrar os menores das drogas, essa é a ordem vinda da lei. Essa é a missão. E missão dada tem que ser missão cumprida. Ainda que pareça impossível.
CIDADÃO: Quando esteve em um dos ensaios da Orquestra de Sopros de Fernandópolis, o senhor prometeu conseguir um local melhor para eles. Como vai cumprir esta promessa?
PELARIN: O Poder Judiciário não tem recursos financeiros para custear projetos. Isso é tarefa do Poder Executivo. Porém, nossa orquestra merece todo nosso apoio. Eles pediram um local melhor para os ensaios. E eu vou me desdobrar para tentar ajudar. Ainda não sei como. Mas minha confiança em dizer aos músicos que eles terão um lugar melhor vem do povo desta cidade. Eu fico impressionado com a força do fernandopolense. Quando chamado para as grandes causas, o fernandopolense não se omite. Nossa cidade pode não ter belezas naturais, monumentos, pontos turísticos etc. Mas temos uma riqueza que nos distingue: um povo forte, prestativo e solidário. Por isso, se o poder público não conseguir um lugar melhor para a orquestra, acredito que nos esforçaremos para encontrá-lo. Ninguém descuida de um diamante ou de uma peça de ouro. Daí porque acredito que temos que guardar com carinho nossa jóia mais valiosa, que são nossos músicos, da nossa orquestra de sopros.
CIDADÃO: Considerando a eficaz atuação dos conselheiros tutelares de Fernandópolis, que o senhor apelidou carinhosamente de O quinteto fantástico, o senhor considera justa a atual remuneração dos conselheiros em relação aos municípios vizinhos?
PELARIN: Nossos conselheiros devem ter uma remuneração melhor. Todas as cidades vizinhas, do mesmo porte, remuneram com mais merecimento os seus conselheiros tutelares. Não custa lembrar que o Conselho Tutelar e Polícia são órgãos que funcionam todos dos dias, inclusive feriados e fim de semana, durante 24 horas. E aqui na nossa cidade nem é preciso dizer o trabalho exuberante que os conselheiros realizam. Como disse anteriormente, o profissionalismo é a marca da atuação de nossa equipe. Mas fica difícil justificar uma baixa remuneração para um profissional do gabarito e da importância de um conselheiro tutelar.
CIDADÃO: A paternidade modificou a sua visão de mundo em relação à educação dos filhos?
PELARIN: Não. Educar é um ato de amor e de responsabilidade. Aprendi isso em casa, com meus pais. E nunca confundo minha profissão com minha família. Como juiz, devo cumprir a lei. E a lei brasileira está separada da moral. Juiz não sentencia moralismos. Aplicam-se prescrições, comandos. Nunca digo como um pai deve educar o seu filho. Decido, apenas, se este ou aquele pai cumpriu o que a lei determina. Por isso que, como pai, tenho me esforçado para não ser negligente ou omisso. Não quero ser processado na Vara da Infância e Juventude (risos).