A imagem daquela multidão de pessoas no túmulo da garota Isabela no dia em que ela completaria 6 anos ainda ressoa em minha mente como uma sinfonia inacabada e repetitiva.È normal a comoção diante da morte trágica e de atos de covardia e brutalidade como esse contra uma criança tão linda e cheia de vida, contudo causa-me uma certa rejeição a atitude de culto ou veneração que acompanha acontecimentos desta natureza.O povo talvez movido pelo sentimento de comiseração tem por costume canonizar as pessoas como se a morte as elevassem a um patamar superior na hierarquia dos seres humanos, tornando-os símbolos de perfeição.
Assim como canonizam, muitas pessoas se investem do poder do pré-julgamento. Do linchamento físico ou moral de réus que sequer passaram pelo crivo da justiça estabelecida, o que é uma atitude reprovável, embora saibamos que nosso código de leis às vezes é injusto por possuir penas leves para certos crimes.
Outro dia detive-me num desses canais religiosos, pois um destes entendidos estava explicando a diferença entre veneração e idolatria. Achei interessante porque ele dizia que o fiel não deve adorar a imagem e sim venerá-la de maneira respeitosa. Mesmo com este atenuante penso que até os romanos com sua exagerada predileção por deuses, semideuses e heróis, perdem de goleada para certos cristãos atuais, com esta infinidade de milagreiros que vivem continuamente criando.
De qualquer maneira há também pessoas que acreditam que as crianças que deixam a existência em tenra idade se tornam anjos.È uma idéia contestável à luz da justiça divina porque seria um privilégio inadmissível. Todos seres humanos naturalmente almejariam morrer crianças sabendo de antemão que viveriam eternamente nas excelsitudes do paraíso...
A mídia normalmente se alicerça em padrões culturais uniformes, ou como denomina a sociologia contemporânea: standartização. Este processo traz consigo a construção de alguns ícones, ou modelos de sucesso que passam a ser tratados como intocáveis. Quando se fala de futebol todos se lembram de Pelé, Garrincha, etc, na literatura Machado de Assis, Guimarães Rosa, etc, na pintura Cândido Portinari, Di Cavalcanti, etc, e assim por diante. Se alguém faz alguma crítica salutar a estes especialistas em suas áreas de atuação corre o risco de ser defenestrado por estes guardiões da cultura, como ocorreu com um jornalista do jornal O Globo dias atrás porque ele apontou algumas falhas em Glauber Rocha (o ícone do cinema novo).
Sou completamente contrário a estas posições irremovíveis e inflexíveis. A imperfeição ronda a vida humana e mesmo os modelos de sucesso que se tornam padrões, quando sob uma lupa investigativa apurada, poderão revelar algum pecado ou atitude que mereça reprovação. Dessa forma deve-se olhar os ídolos com um estímulo de dedicação e perseverança, deixando de lado as paixões e sentimentos exarcebados.
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