A advogada Rosana Chiavassa não aparenta ter 47 anos e três filhos criados. Eloqüente, o sorriso sempre aberto, os gestos largos que não escondem a origem peninsular, ela não perde a jovialidade mesmo quando denuncia as mais graves mazelas sociais ou analisa o feminismo sob o ponto de vista da mulher brasileira. Especializada em direito do consumidor, Rosana há tempos milita na política da OAB-SP foi uma das adversárias, nas eleições de 2006, do atual presidente Luiz Flávio Borges DUrso. Nesta entrevista concedida antes de palestra que proferiu no último dia 3 na sede da 45ª Subsecção de Fernandópolis Rosana solta o verbo, sem perder o otimismo e a alegria que lhe são ingênitos.
CIDADÃO: Você pertence a uma geração de mulheres que não deixou cair a bandeira do movimento pela igualdade. Da ação das feministas dos anos 60, até os dias de hoje, o balanço dessa batalha da mulher pode ser considerado satisfatório?
ROSANA: Eu diria que aquele movimento foi vitorioso. O que a gente observa hoje é que houve uma paralisação, não houve uma evolução. Aquele movimento terminou e não se iniciou um outro movimento que seria efetivamente a busca da igualdade dentro do contexto, ou seja, as mulheres ainda hoje, se acostumaram ou não conseguiram sair daquele papel de vítima. Elas foram reconhecidas como vítimas e com isso conseguiram muita coisa, mas não saíram dali pra frente. Você vê que muitas mulheres hoje se contentam em fazer faculdade. Elas não vão além, elas se contentam em ser excelentes profissionais e mães. Naquela época era só mãe ou então era só profissional. Elas não vão à luta para participar da sociedade. O olhar da mulher é reconhecidamente diferente do homem. Todo mundo sabe que uma sociedade tem que ter os dois olhares. Há um estudo do Banco Mundial que mostra que nos países onde as mulheres estão em maior equilíbrio de igualdade com homens em poder, o PIB é maior, há menos violência, existe uma série de conquistas que você não vê em sociedades onde as mulheres não galgaram mais poder. Está mais que na hora do poder ser efetivamente dividido. Em Fernandópolis, nós temos 10% da Câmara representado por mulher. É muito pouco. Ela não consegue fazer com que o olhar feminino seja representativo. Por que ela não sai? Primeiro que mulher não vota em mulher, isso é fato! Agora, por que ela não vota em mulher? Essa é uma discussão do momento e que as mulheres ainda não tiveram coragem de enfrentar. É muito fácil ser amiga dentro do salão do cabeleireiro, muito fácil ser amiga dentro de uma sala de aula. Na hora de uma disputa, as mulheres ainda não aprenderam a lidar com um sentimento que os homens há séculos lidaram que é a disputa, é a inveja, são coisas muito rudimentares e está mais do que na hora e precisa ser superado em prol da nossa sociedade.Eu diria, por outro lado, que não só no Brasil, em geral, a sociedade nunca esteve tão distante dos valores éticos e morais como agora e querendo ou não, a mulher é mais rigorosa nisso. Os estudos mostram que a mulher se corrompe mais dificilmente. Ela está precisando chegar ao poder para tentar equilibrar essa sociedade sem era nem beira. Nossos filhos, hoje, não têm a esperança que nós tínhamos 25 anos atrás, por isso que você vê muita droga, você vê muita coisa ruim. O jovem não tem objetivo na vida. Ele não luta e se entrega às efemeridades como baladas passageiras, a droga enfim, tudo que não leva adiante. A mulher tem que mudar isso. Até porque ela como mãe - não precisa nem ser mãe para ter um instinto materno - para fazer com que ela tente mais essa luta. Até porque hoje o homem está cansado, ele está descrente de que ele possa retomar isso. A mulher não, ela é mais aguerrida, ela tem que estar lá. As mulheres têm que sair à luta.
CIDADÃO: A famosa frase de Jaguar: A guerra dos sexos acabou. Elas venceram é pertinente?
ROSANA: De um certo modo elas venceram mesmo. Hoje a gente vivencia, os homens não sabem lidar com essa mulher que venceu e a mulher por um outro lado não está conseguindo sintonia com esse homem que está perdido por não saber que mulher é essa, ele tem medo dessa mulher - o que é uma bobagem, pois essa mulher continua sendo a mesma, só que com mais coisas. Então os homens podem ficar tranqüilos, ela continua adorando que abram a porta do carro, levem o café na cama para ela, que a beijem, a abracem e a amem e ao mesmo tempo ela quer dividir as responsabilidades, isso é ótimo para o homem. Ele não precisa temer essa mulher, pelo contrário.
CIDADÃO: Sua militância na polícia da categoria da classe é conhecida, inclusive tendo disputado a presidência da OAB de São Paulo. Como você vê a política adotada pela atual gestão no caso da lista dos inimigos dos advogados - pessoas que teriam ferido os direitos dos advogados?
ROSANA: Eu sou contra essa lista desde o começo. Não acho que é indo pra essa extremidade que você vai solucionar a questão. É o diálogo. A base é o diálogo, acho que a coisa chegou em um nível absurdo, então se você quer mostrar que está buscando a Justiça, divulgue também a relação dos advogados que não estão aptos a advogar, forneça esse elemento à sociedade para que a sociedade também se proteja. Já que a OAB quer proteger a sociedade da classe de pessoas que ela entende que são autoritárias, então use o princípio da isonomia, divulgue também a relação dos advogados que violam outros direitos. Quando você dá a cara pra bater, você tem que dar os dois lados. Não dá pra você ter telhado de vidro. Tudo que é feito na base da ameaça e acuação é um ato ilícito. Eu não seguiria esse caminho.
CIDADÃO: A sua luta em defesa do consumidor ficou famosa, quando você obteve a primeira liminar no país obrigando um plano de saúde a arcar com as despesas de um paciente soropositivo para HIV. As decisões da Justiça, nos últimos tempos, têm acompanhado o que preconiza o código do consumidor? Você acha que Houve avanço social real?
ROSANA: Total. Eu diria que essa primeira ação que nós propusemos, em tese favoreceu 50 milhões de brasileiros que têm algum plano de saúde. Hoje o judiciário é lotado de ações de planos de saúde. Eu afirmo que 90% dessas ações são ganhas pelo consumidor. A gente vê o reflexo disso nas ações contra prefeituras e estados buscando medicamentos, buscando tratamento médico para os brasileiros que não possuem planos de saúde. Eu diria que o judiciário sim absorveu o código de defesa do consumidor, de forma nunca imaginada talvez pelos grandes civilistas e mais, hoje o judiciário começa a não ser tão paternalista com o consumidor. Porque o consumidor hoje não pode dizer que é aquele bobinho que era 15 anos atrás. Hoje ele tem noção de muita coisa, esse é um processo interessante, porque o judiciário começa a exigir do consumidor que ele também cumpra seu papel. São as duas vias, eu te dou o seu direito, mas você cumpra seu papel também. É bom porque a Justiça não pode ser apenas paternalista. É uma forma de incentivar o cidadão brasileiro a conhecer mais os seus direitos. A gente observa que o judiciário deu uma modernizada nesse contexto. Isso é muito interessante. O que não muda na nossa Justiça é a saúde. Tanto a saúde como a educação e a segurança não melhoraram, o caos está instalado, uma semana atrás, as manchetes do Brasil denunciaram um erro médico em São Paulo, um erro médico em Goiás e um erro médico em Mato Grosso. Tiraram o útero de uma mulher, uma criança que estava com infecção urinária morreu por falta de atendimento e a outra foi uma senhora que foi fazer uma cirurgia dos seios e saiu mutilada. Não adianta, o Brasil continua um caos dos direitos elementares constitucionais que nós temos. A saúde está um caos, a educação está um caos e a segurança não preciso nem falar. É onde a gente retoma a conversa inicial. O processo político tem que mudar, os integrantes dos nossos parlamentos têm que mudar, senão nós não chegaremos a lugar nenhum. A mudança se dará das prefeituras para cima e não de cima para as prefeituras. A prefeitura que conseguir se tornar independente ela vai ser uma cidade fantástica, progressista porque ela não vai depender de pires na mão. Que se comece nas prefeituras, com essas mulheres guerreiras, com esses homens guerreiros, principalmente os que falam: Ah, não quero entrar nisso, é só porcaria, são esses que tem que entrar porque eles são sérios. Então tem que entrar para mudar esse contexto.
CIDADÃO: A digitalização que está acontecendo nas varas de São Paulo, por obra do desembargador Celso Limongi, será útil ao advogado? Vai agilizar a Justiça?
ROSANA: Eu não tenho dúvida que vai acelerar a Justiça. Mas, temo muito pela perda da qualidade. Vou dar um exemplo. Na hora que entrar o programa de processos eletrônicos digitais, qualquer peça só vai poder ter até oito laudas. Como você vai descrever em oito laudas um caso grave? Existem casos que você pode descrever em uma lauda. Imagine fundamentar o direito. Haverá uma perda intelectual dentro da qualidade jurídica do trabalho. Mas se isso for bom para a sociedade, tudo bem, só temo um pouco pela qualidade.
CIDADÃO: E a velha questão do exame da ordem? Qual é hoje sua posição?
ROSANA: Acho que tem que existir o exame de ordem. Não tenho dúvida, só acho que ele tem que ser adequado à realidade e à exigência. O que a OAB quer? A OAB quer um aluno formado que seja articulado, tenha noção de onde procurar o direito, enfim, ele não precisa conhecer todas as teses doutrinárias, alemãs italianas e francesas, por outro lado ele precisa saber um pouco mais do que onde fica o Fórum. Só que as provas não têm acompanhado esse raciocínio muito lógico. Ninguém quer que um formado seja um PHD para prestar o exame da OAB; por outro lado, a sociedade quer que esse que está prestando o exame saiba o mínimo elementar para o exercício da advocacia. Tem que ter o exame sim. Nós temos grandes congressistas trabalhando para as faculdades, abertamente visando a acabar com o exame. Observa-se que muitas faculdades não estão preenchendo a capacidade de vagas, porque falta dinheiro para pagar essas faculdades e também pela perspectiva de que a profissão não será boa. Então, muita gente não está prestando vestibular para Direito. Se cair o exame da OAB, essas faculdades vão abarrotar de alunos novamente. Então o lobby está forte pra acabar com o exame. E se acabar? Acaba em Pernambuco, no Acre, em Minas, no Rio, vai chegar uma hora que São Paulo acabará se rendendo e aí sim é que eu direi: acabou-se a profissão.