O incentivo fiscal previsto na legislação vigente a destinação, feita pelo próprio contribuinte do Imposto de Renda, de 6% do tributo devido (no caso de pessoas físicas) ou 1% desse imposto, no caso de pessoas jurídicas, ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, poderá representar um considerável avanço na ação social das entidades assistenciais do país. É o que acredita Antonio Carlos de Menezes França, o Tonhão, 44 anos, casado com Cláudia e pai de Bárbara, Pedro Hugo e Henrique.
Tonhão nasceu em Ituverava (SP), terra de seu pai, o falecido serventuário da Justiça Antonio França, que por muitos anos foi oficial do Registro de Imóveis de Fernandópolis. Nesta entrevista, ele fala do seu trabalho à frente do CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e afirma que, se o Congresso Nacional modificar um mero detalhe da lei de destinação de incentivos fiscais, as entidades terão recursos para superar as dificuldades que têm em seu dia-a-dia de luta contra a exclusão social e os problemas que cercam os menores.
CIDADÃO: De onde vem essa vocação para o trabalho assistencial? Desde quando você atua na área?
FRANÇA: A vocação nasceu da vontade de ser solidário às pessoas que sofrem exclusão sócio-econômica. Meu pai também tinha esse espírito, foi o primeiro presidente da Guarda-Mirim e um dos seus fundadores. Isso aconteceu em 1970, ele, o juiz da Comarca, Antero Lichoto, os oficiais de Justiça da época (Tonicão, Oswaldo Santana) e outros fundaram o movimento. Meu pai tinha a preocupação de ajudar as crianças e os adolescentes. Ele veio de uma família pobre, e teve que lutar desde os 11 anos. Foi um autodidata, que conseguiu subir na vida e não deixou o espírito solidário.
CIDADÃO: Depois dos quatro anos atuando no CAEFA, você assumiu agora o CMDCA. Quais são os planos?
FRANÇA: Por dois anos eu fui vice-presidente. Agora, venceu o mandato e eu assumi como presidente, substituindo a Marlene Lima. O pessoal está estimulado, eu também estou, e decidimos continuar o trabalho por mais dois anos. Não houve eleição, a escolha se deu por aclamação. A entidade é composta pelo poder público e pela sociedade civil. É bom frisar que todos os membros da sociedade civil que participam do CMDCA são integrantes de alguma entidade que trabalha no serviço de assistência à criança carente. Fazemos parte da rede estadual de São Paulo, criada pelo governo de SP, para que haja um sistema de garantia dos recursos da criança e do adolescente. Isso envolve vários atores no processo juízes, delegados, assistentes sociais, diretores de educação, conselhos tutelares e cada um tenta fazer sua parte com eficácia, para que a criança e o adolescente tenham os seus direitos resguardados. Fazemos parte dessa rede. Nós nos reunimos regularmente com o pessoal da Educação, da Saúde, do Judiciário, para ajudar a revelar onde é que estão os problemas, as falhas, os riscos nesse processo. Felizmente, nós temos notado um acentuado progresso nesse trabalho, graças ao Dr. Evandro (Pelarin), ao Dr. Denis (Henrique Silva) que vão às escolas, fazem palestras, orientam. Eu inclusive fiz um depoimento pessoal recentemente em São Paulo, numa reunião do CMDCA, revelando o trabalho que o Judiciário tem Feito em Fernandópolis. Eles ficaram impressionados.
CIDADÃO: Já que estamos falando de criança e de adolescente, a Lei 8.069/90 instituiu o Estatuto da Criança do Adolescente, buscando instrumentalizar a sociedade para melhorar as condições de vida dos menores carentes. Na sua opinião, nesses 17 anos que se passaram desde então, o ECA pode ser considerado um sucesso ou os resultados estão abaixo da expectativa dos legisladores?
FRANÇA: A cada ano que passa, as pessoas interiorizam mais o espírito da lei. Um pré-requisito para participar desse trabalho é exatamente ter trabalhado com crianças e adolescentes. Muita gente diz, equivocadamente, que o ECA veio só para dar garantias, e nenhuma obrigação aos jovens. Na verdade, ele estabelece até onde vão os direitos e os deveres do jovem. O ECA estabeleceu até a possibilidade de restrição de liberdade a partir os 12 anos de idade. No nosso município, a aplicação do ECA tem sido eficaz por causa das ações do Judiciário, da Polícia e do Conselho Tutelar. O CMDCA procura atuar como conciliador, mediador, e orientar a ação dos atores do processo. Por exemplo, se acontece um problema com um menor numa escola, a gente aciona o Sentinela, o Conselho Tutelar, procura o promotor de Justiça, para poder dar ciência e a partir daí, cada um fazer a sua parte tudo dentro do que dispõe o Estatuto. O que falta no país é a aplicabilidade da lei; aqui, nós estamos exercitando isso. O estatuto foi um grande avanço.
CIDADÃO: Você considera que a sociedade civil de Fernandópolis está bem aparelhada para enfrentar as mazelas e os riscos que cercam a juventude, nesse começo de século XXI?
FRANÇA: Tudo tem um aprimoramento. Nós estamos à frente da grande maioria dos mais de 300 municípios, sem dúvida, porque temos uma boa estrutura montada, mas cada um sempre pode dar um pouquinho mais de si em favor da causa. De todo modo, eu me sinto lisonjeado de morar nessa cidade que tem uma polícia atuante, poderes constituídos atuantes e sociedade civil atuante. Por exemplo: essa campanha de arrecadação de recursos através do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, que recebe recursos oriundos do incentivo fiscal previsto na legislação, tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas. No ano passado, nós arrecadamos R$ 208 mil. São José do Rio Preto, cuja população é seis vezes maior, arrecadou R$ 400 mil. Proporcionalmente, nós arrecadamos muito mais. É o espírito de solidariedade da cidade, respondendo positivamente a projetos elaborados com firmeza. As empresas que fazem as doações dão um voto de confiança no nosso trabalho.
CIDADÃO: Como funciona essa questão da doação, via incentivos fiscais, do imposto de renda devido? O que o potencial doador tem que fazer?
FRANÇA: A gente fala doação, mas na verdade é destinação de parte do imposto de renda devido para o fundo. O contribuinte que pode participar é aquele que faz a declaração de renda completa, não é a simplificada. Existe um projeto em tramitação na Câmara Federal, em favor do qual pedimos aos vereadores de Fernandópolis uma moção de apoio, e pedimos à rede social que apresente seu apoio. O mesmo pediremos às entidades todas as 16 que são filiadas à Associação de Amigos para que tentem sensibilizar os deputados federais para aprová-lo. E no que consiste esse projeto? Simplesmente, é um modificativo do que dispõe a lei de destinação. Hoje, o doador tem que fazer a doação até o último dia útil do ano-base. Isso complica, principalmente para as empresas, simplesmente porque ela ainda não fechou o balanço, como é que pode saber quanto será seu imposto a pagar e, portanto, calcular o 1%. Essa antecipação é complicada. O projeto que será votado vai propor que a destinação seja feita na época da declaração (março, abril). O contribuinte pode destinar até 6% do imposto a pagar, se for pessoa física, e até 1%, se for pessoa jurídica, ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Isso representará um grande avanço, porque sairemos da condição de arrecadadores para gestores. Será o fim desse negócio de vender rifa, pizza, ingresso para almoço, feijoada. O Fundo terá renda advinda de impostos, poderemos resolver nossos problemas no nosso quintal. E o contribuinte saberá para onde vai o dinheiro, porque é tudo transparente. Francamente, o esforço que temos que fazer, vendendo rifas e feijoadas, acaba onerando o comerciante, o profissional liberal, enfim, a sociedade civil. É um grande avanço, e aguardamos ansiosos que o projeto seja aprovado.