O advogado do trabalho

20 de Agosto de 2025

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O advogado do trabalho
Quem é que não tem um monte de dúvidas sobre questões trabalhistas? Quem tem direito a quê? Quais são os seus deveres perante a Justiça do Trabalho? Enfim, para sanar todas essas dúvidas foi que convidamos nesta edição o advogado Deonísio José Laurente, um especialista no Direto do Trabalho.
Com 43 anos, natural de Ariranha/SP, é casado com a professora Regina, com quem teve a linda Maria Clara. Um apaixonado por Fernandópolis, é membro do Rotary Club “22 de Maio” e da Loja Maçônica Benjamim Reis.
Formado em Ciências Contábeis e Direito, com pós-graduação em Direito Constitucional, neste ano completa 20 anos de carreira. Não trabalha menos do que doze horas por dia e encontra nas partidas de futebol com os amigos uma “válvula de escape” para o estresse. Seu time: Santos “da época do Pelé”!

CIDADÃO - O que é o direito do trabalho e por que ele foi criado?
Laurente: É importante, antes de tudo, buscarmos a origem do Direito especializado do trabalho no Brasil. Nós tínhamos algumas legislações esparsas, que tratavam de algumas atividades profissionais diferenciadas, como por exemplo os mineiros e ferroviários. Então, no governo de Getúlio Vargas juntou-se essa legislação na denominada “Consolidação das Leis do Trabalho”, a conhecida CLT e com isso estendeu-se essas normas trabalhistas para todos os trabalhadores. A partir daí passamos a ter uma legislação única, que disciplinou as relações capital/trabalho. Desde então, muito se evoluiu: a classe trabalhadora, por exemplo, tornou-se muito mais organizada do que a classe empregadora. A base desses direitos foi inserida na Constituição e então hoje temos a Direito do Trabalho previsto na Constituição em leis esparsas, muito especialmente na CLT e nas convenções e acordos coletivos que são feitos em cada categoria profissional e econômica do lado do trabalhador e do empregado. Isso, em síntese, é o Direito do Trabalho. Com ele veio a Justiça do Trabalho, que é um ramo do Direito especializado em dissídios e litígios de natureza trabalhista. Então é esta a estrutura jurídica do Brasil no âmbito do Direito do Trabalho.

CIDADÃO - Em aspectos gerais, como você analisa a aplicação da CLT nos dias atuais?
Laurente: Ao meu ver, a CLT está superada e ultrapassada. Pese, embora, algumas inovações que vêm sendo feitas, mas a essência dela remonta do ano de 1943, da Era Vargas. Então nós estamos cansados de ver e ouvir o quanto o Brasil perde em investimentos justamente em função da legislação trabalhista, que em alguns momentos, não atende o interesse de ninguém. Nós vemos no dia a dia de nossa atividade que a CLT deixa a desejar para os dois lados. E então se busca a negociação coletiva, os acordos coletivos, tentando suprir essas lacunas da CLT.

CIDADÃO - Quando um funcionário alega perante a Justiça do Trabalho, por exemplo, que ele trabalhava 18 horas por dia, é o empregador que tem que provar que o funcionário não trabalhava todas essas horas. Por que a Justiça do Trabalho ainda mantém a “inversão do ônus da prova”?
Laurente: Essa é uma questão interessante, mas que precisa ser entendida. Ela vem lá do passado. Quando nós tivemos a Consolidação das Leis Trabalhistas, a criação da Justiça Especializada do Trabalho, nós estávamos falando realmente de uma situação de desigualdade, onde efetivamente o trabalhador era desorganizado, era a parte fraca nessa história, o que chamamos de hiposuficiente. Hoje não mais, atualmente o trabalhador está organizado em sindicatos, centrais sindicais, federações, confederações, etc. Mas essa estrutura, como eu disse no início, permanece. Agora, é princípio geral do Direito que o ônus da prova é de quem alega. Na Justiça do Trabalho a regra também não é diferente, no entanto, em função desse princípio da hiposuficiência do reclamante, do trabalhador, esse ônus é, na maioria das vezes, invertido, e é por isso que ocorre essa situação. É o mesmo que se verifica em uma relação de consumo, onde também há inversão do ônus da prova, porque o consumidor, pelo Código de Defesa do Consumidor, é considerado a parte fraca - na Justiça do Trabalho também. A diferença é que o consumidor realmente é a parte fraca do contrato. Na relação de trabalho, nem sempre, aliás, salvo raríssimas atividades profissionais, como doméstica, por exemplo, todas as demais praticamente estão organizadas: tem seus sindicatos, seus acordos coletivos. Porém, a estrutura é antiga e então essa situação prevalece até hoje e os juízes não conseguem mudar isso da noite para o dia e acabam tendo que seguir essa norma.

CIDADÃO - O senhor falou sobre os empregados domésticos. Existe alguma diferença ou direito específico para o trabalhador doméstico?
Laurente: Sim. O doméstico, aliás, até mesmo antes da nossa atual Constituição, praticamente estava à margem desse processo. Foi uma das últimas categorias que conseguiu algum amparo legal. Os motivos são históricos, aquela coisa toda do senhoril, etc. Mas, a partir da Constituição, o doméstico teve muitos avanços em seus direitos. Foi a partir daí que ele conseguiu o direito às férias – apesar de haver uma discussão se ela é de 20 ou 30 dias, mas enfim, ele tem esse direito. Foi a partir daí também que ele conseguiu o direito ao 13º, mas ainda ele prescinde de vários direitos que os outros trabalhadores têm, como a hora-extra, o fundo de garantia, que ainda é facultativo (não é um direito líquido e certo, pois vai depender da boa vontade do empregador em recolher o fundo ou não). Então o doméstico ainda é uma categoria “um pouquinho diferente” e menos privilegiada, mas já avançou bastante. Nós temos situações muito corriqueiras, que é aquele doméstico eventual, aquele diarista, aquele faxineiro...


CIDADÃO - Quando um diarista passa a ter vínculo empregatício?
Laurente: Essa é uma discussão que com vinte anos de profissão a cada dia vejo uma situação nova. Mas hoje está mais ou menos consolidado assim: gera o vínculo para o diarista se ele trabalha pelo menos três vezes por semana. Duas vezes os tribunais não têm acolhido essa tese, mas três vezes já têm acolhido. Reforça esse vínculo se o pagamento é feito mensal e não diário, porque o diário, como o próprio nome sugere, você teria que no final da tarde pagar e pedir para ele assinar o recibo. Só que isso é ruim para o diarista, porque ele pega esse “dinheirinho” e some. É ruim para o empregador, que nem sempre tem o dinheiro trocado naquele momento e então acabam se acertando e efetuando o pagamento no final do mês. Isso dura um mês, dois meses, um ano e acaba dando vínculo empregatício.

CIDADÃO - Então é possível, por exemplo, registrarmos uma pessoa para trabalhar apenas três horas por dia?
Laurente: Sem dúvida. O que pouca gente sabe é que o nosso salário mínimo é fixado por mês, dia e hora. Então nada impede que haja o contrato de trabalho parcial, possibilitando inclusive a pessoa ter até dois ou três registros, desde que não haja choque de horário e desde que se respeite o descanso semanal remunerado pelo menos uma vez na semana.

CIDADÃO - Para quem não é funcionário público, existem muitas dificuldades ou burocracia para conseguir se aposentar no Brasil?
Laurente: Bastante. Até para o funcionário público, porque via de regra ele traz uma carga de tempo de serviço da iniciativa privada e então ninguém quer aposenta-lo. Fica aquela história de “compensação daqui”, “compensação de lᔠ– infelizmente esse é o grande trauma de todos nós, que, justamente no momento que você mais precisa de um amparo, você tem doas essas dificuldades. Então essa questão previdenciária tende a caminhar para a iniciativa privada. Hoje é quase regra manter uma previdência privada paralelamente à previdência oficial, porque no futuro você acaba juntando as duas para ter um fim de vida um pouco mais digno.

CIDADÃO - Que conselho o senhor daria para um empregador que ainda não registrou seu funcionário? Existe algum caso que justifique não registrar um funcionário?
Laurente: Eu costumo dizer para os meus amigos, que são mais do que meus clientes, que funcionário sem registro é absolutamente insano. Hoje não se concebe mais essa prática. O conselho que eu dou é: registre. “Ah, mas sai caro...” – então não tenha o empregado, porque o empregado sem registro, independentemente de toda a condição nefasta que traz a ele (a não contagem de tempo de trabalho, o desamparo social, a inexistência dele no mundo jurídico, social, nas estatísticas...), o que era até pouco tempo atrás uma mera infração administrativa, passou a ser crime. Hoje em dia a falta de registro do empregado é crime previsto no Código Penal Brasileiro. Além de todas as conseqüências administrativas, fiscais, previdenciárias, o empregador ainda vai responder um processo crime. Dessa forma, tenha o empregado registrado, nada mais justifica o não registro. No caso de ocorrer um acidente no ambiente de trabalho, essa pessoa estará desamparada e terá que procurar amparo em alguém, que no caso é o empregador, com toda a razão.


CIDADÃO - Explique sobre o salário mínimo estadual.
Laurente: Seguindo o exemplo dos Estados do sul do Brasil, onde sempre há inovações na parte jurídica e legislativa, São Paulo promulgou recentemente (1º de agosto de 2007) uma lei instituindo o salário mínimo estadual, que não se aplica a todas, mas àquelas categorias profissionais que não estão organizadas, que não têm acordo ou convenção coletiva. Agora passam a ter que respeitar o mínimo estadual, que hoje é de R$ 410,00 e não R$ 380,00. Um exemplo clássico é os domésticos, que agora passarão a ganhar o salário mínimo estadual. Porém, só tem direito sobre este salário quem ganha o salário mínimo, se o doméstico ganha R$ 500,00, para ele não muda em nada.
Foi uma promessa do governo estadual, que gera reflexo na previdência, mas que não interfere no aposentado da previdência, que continuará ganhando o mínimo de R$ 380,00.