Dona Nilma Cotrin tem 89 anos e uma história que não caberia em tão poucas linhas. Professora aposentada, já exerceu o trabalho de advogada e dona de pensão. Quando ainda muito jovem, prestou concurso para professora do Estado e passou alguns anos lecionando em Fernandópolis, entre as escolas Joaquim Antonio Pereira e Coronel Francisco Arnaldo da Silva. Logo o delegado regional de ensino a transferiu para São Carlos, onde trabalhou por mais longos anos, se casou e constitui família.
Foi lá que boa parte de sua história se deu, contando com pequenos milagres diários. Casada com o Arnaldo Gomes (em memória), um grande empreendedor do jogo do bicho – numa época em que o jogo era legal -, mantinha uma vida tranquila e estruturada para criar seus cinco filhos: Marcia Maria, Arnaldo Tadeu, Marta Flora, Mara Lúcia e Maria Mônica.
Quando a lei de contravenções penais, decreto-lei 3.688, de 3 de outubro de 1941, considerou efetivamente a proibição dos jogos de azar no Brasil, prevendo prisão, multa e fechamento do estabelecimento quando descoberta a prática do jogo do bicho, sr. Arnaldo se viu fechando o seu negócio e indenizando todos os funcionários.
“Quando meu marido chegou em casa, era um homem caído. Eu disse a ele para não se preocupar, pois ainda tínhamos um dinheiro guardado e ele logo negou, dizendo que usou todo o dinheiro para indenizar os funcionários. Ele era um homem muito justo, não deixaria os funcionários sem o pagamento. Ele, arrasado, disse que não sabia fazer mais nada na vida além daquilo. Foi uma profissão que aprendeu desde mocinho com o meu sogro. Meu marido se entregou. Falei para ele não ficar nervoso com isso, que daríamos um jeito. Ele já tinha idade, era 14 anos mais velho do que eu”, conta dona Nilma.
A casa em que moravam era de seu sogro, que também residia junto. Pedindo autorização ao marido, foi negociar com ele. “Eu pedi ao meu sogro permissão para que pudéssemos alugar aquela casa e, com o dinheiro, alugar outra maior para que eu pudesse abrir uma pensão. Ele permitiu, mas com uma condição: que ele continuasse tendo trânsito livre naquela casa, porque foi ele quem a construiu e morava ali há muitos anos. Ele me disse: “quero continuar morando com você, mas quero entrar e sair desta casa a hora que eu quiser”. E eu fiquei me perguntando... como?”.
A resposta veio breve. “Conversando com o meu cunhado, que era presidente de um clube de carteado, descobri que precisavam de uma nova sede para o clube. Então, tínhamos tudo o que precisávamos: a sede para o clube e o livre acesso de meu sogro que até pode continuar com a chave da casa”, explica.
Em seguida, dona Nilma foi conversar com uma amiga que tinha uma casa grande e cheia de quartos, dizendo que precisava de uma casa como aquela. Explicando toda a situação, a amiga não faltou e alugou a casa para o novo empreendimento.
Dentro de poucos dias, dona Nilma cuidava de sua família e cozinhava para cerca de 50 pessoas todos os dias. “Eu cozinhava para famílias inteiras, café da manhã, almoço e jantar”, conta.
Ainda no começo do novo negócio, quando ainda não tinha entrado dinheiro no caixa, dona Nilma viu um pequeno milagre acontecer. Sem arroz para preparar o almoço, tentou comprar ‘fiado’ no armazém da esquina, todavia, sem sucesso. “Os armazéns não vendiam fiado para os donos de pensão, pois eram maus pagadores e eu só estava querendo começar o meu negócio. Eu coloquei meus joelhos no chão e comecei a rezar. Foi quando um milagre aconteceu”, ressalta. De surpresa, alguns primos que moravam em sua cidade natal, Olímpia/ SP, chegaram à pensão e pagaram adiantado, possibilitando a compra do arroz e salvando o almoço de todos.
E foi assim que manteve a pensão por muitos anos, provendo o sustento de sua família e correndo atrás de estudar cada vez mais. Dona Nilma se formou em Direito, advogou por três anos. Logo o Estado a convocou para ficar a disposição da delegacia de ensino e lecionar passou a ser mais viável. Deu aulas por mais de 20 anos em São Carlos.
Quando seu marido faleceu, seus filhos acharam melhor que ela fosse morar com a filha mais velha. “Mas quando a gente é velha, é difícil se acostumar na casa de filho. Eu queria o meu cantinho”, conta. Assim, uma das filhas alugou uma casa em Fernandópolis, próxima de toda a família. “Só falta um filho vir morar aqui”, diz dona Nilma feliz em ver quase toda a família reunida novamente.
Hoje, com uma vida inteira para contar e uma lucidez invejável, diz que o trabalho é a melhor benção na vida das pessoas. E que está feliz em ver os jovens acordando e indo às ruas manifestar o descontentamento diante de “tanta roubalheira nesse país”.