Que a Santa Casa de Fernandópolis passa por um de seus piores momentos financeiros, não é novidade. Sem recursos para arcar com os vencimentos de seu corpo clínico, a situação beira o caos e a primeira reação do público é a crítica, muitas vezes, sem procurar entender o que levou a essa situação.
Para entender os dois lados dessa crise, a equipe de CIDADÃO decidiu passar um dia no Pronto Socorro do único hospital público fernandopolense, sem alarde ou identificação, apenas sentada em meio aos pacientes ouvindo seus comentários, reclamações e elogios.
Antes de qualquer coisa é preciso explicar que, desde o final de outubro, a superlotação que era vista diariamente na recepção da unidade hospitalar não ocorre mais. Não por que não há mais pacientes, mas sim porque nesse espaço de tempo a falta de médicos – por conta da falta de pagamento já mencionada – fez com que os casos que não eram realmente emergência, fossem mandados de volta para casa, ou para suas respectivas unidades de saúde.
Isso, na verdade, deveria sempre acontecer. No entanto, por conta de uma cultura que se criou ao longo dos anos, todos eram atendidos, desde uma diarreia ou vômito, até os casos de vítimas graves de acidentes automobilísticos e domésticos.
De acordo com os protocolos de classificação de risco realizados pela Santa Casa, cerca de 65% dos pacientes atendidos diariamente no Pronto Socorro se enquadram nos atendimentos que podem ser prestados pelas unidades básicas de saúde, mas isso só aconteceu após a falta de médicos.
Com essa mudança forçada na cultura, os fernandopolenses têm procurado a Santa Casa apenas em último caso, o que acabou diminuindo o tempo de espera por atendimento, isso quando há médicos no local para atender.
A informação não foi confirmada pelo hospital, mas de acordo com alguns dos pacientes que aguardavam por atendimento na quarta-feira, 11, no dia anterior da reportagem, não havia sequer um médico para atender a população.
PACIENTES
Celso e sua irmã Marcia chegaram à Santa Casa por volta das 7h30. Celso é professor na cidade de Iturama e sua irmã trabalha e reside em Fernandópolis.
Preocupado com a irmã, que há vários dias sente fortes queimações nas pernas, Celso decidiu levá-la ao hospital. “É uma dor que ela diz nunca passar. Pode ser sim apenas algum problema de varizes, mas o meu medo é que pesquisamos e os sintomas se assemelham a uma trombose. Por isso, decidimos procurar o médico para ver o que ele diz”, contou o professor.
Por volta das 8h15, Marcia foi chamada para o atendimento e o irmão a acompanhou. Os dois não voltaram para a recepção e nem saíram pela porta que entraram, o que leva a crer que ela tenha ficado em observação.
Em frente aos irmãos, sentado nos duros, frios e desconfortáveis bancos de concreto, estavam Talivane e sua mãe Ana Maria. Talivane, que tem 20 anos, porém aparência e idade mental de uma criança de 12, carrega sequelas de uma meningite, mas estava na Santa Casa por conta de um cisto em seu ovário.
“Vim procurar a médica que já cuida dela, mas ela está em cirurgia, por isso estou aguardando. Mas nunca tive problemas aqui não, sempre atenderam ela muito bem”, contou a mãe da jovem.
Um pouco mais atrás, sentava-se um casal de idosos. Eles chegaram também às 7h30 e já haviam sido atendidos. Dona Maria e seu Antônio aguardavam apenas a ambulância que os trouxeram de Meridiano chegar, para voltarem para casa.
Seu Antônio passa por tratamento há cinco meses por conta de um problema que teve em seus órgãos genitais e aguarda o resultado de todos os exames, para passar por uma cirurgia.
“O problema é que as pessoas não têm paciência. Se você vai fazer um tratamento particular às vezes é rápido e às vezes não. Só que com o particular as pessoas têm paciência e com o público não. Aqui a gente sempre foi muito bem atendido. Não temos nada para reclamar, quando estamos aqui, a gente ouve falar que o atendimento foi péssimo e tal, mas acho que vai de cada pessoa”, completou dona Maria.
SEM MÉDICO
Mas nem tudo foram elogios ou ponderações. O radialista Lívio Vono se revoltou com a falta de médico. Sua netinha havia sofrido uma queda e reclamava de fortes dores no braço. Ele chegou à Santa casa por volta das 14h e, até então, o médico que deveria estar de plantão, não havia chegado.
“Como que deixam chegar a uma situação como essa? Um hospital sem médico? A coisa está feia, muito feia”, disse o radialista.
Alguns minutos depois ele acabou sendo atendido. Sua neta havia trincado o braço, que foi engessado e agora passa bem.
SAMU
Enquanto alguns aguardavam atendimento na recepção da Santa Casa, a movimentação de ambulâncias era intensa. Entre as 7h e às 10h, o SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – levou pelo menos cinco pessoas para o Pronto Socorro. E o fluxo aumentou no período da tarde.
SANTA CASA
A crise no único hospital público de Fernandópolis se deu, de acordo com sua assessoria de imprensa, em decorrência da instabilidade financeira que o país atravessa e outra série de fatores.
“Dentre tais dificuldades financeiras destacam-se os seguintes pontos: o sub-financiamento dos atendimentos prestados ao SUS, já que, em média, a cada R$ 100 empregados nos atendimentos do SUS, o hospital é remunerado com apenas R$ 65,00, sendo que os outros 35% tem que ser pagos pelo próprio hospital, com a colaboração da população que faz doações à Santa Casa; a diminuição no repasses de programas de incentivo como o Pró Santa Casa (queda de 10% em comparação com 2014) e Santas Casas SUStentáveis (queda de 19% em comparação com 2014); atrasos no repasse de verbas tanto municipais, quanto estaduais e federais, justificadas pelas dificuldades econômicas que estão atingindo nosso país; e o aumento de glosas médicas, que são valores não pagos por parte dos planos de saúde”, informou a Santa Casa em nota enviada à imprensa.
Quanto ao atraso no pagamento da equipe médica, a Santa Casa informou que foi apresentada uma proposta, aceita pelos médicos em assembleia do Corpo Clínico, sendo estabelecido o parcelamento das dívidas passadas existentes junto aos médicos. Quanto aos vencimentos correntes, os mesmos estão sendo normalizados em conformidade com os cronogramas de repasses realizados pelo governo e operadoras de planos de saúde.
Ainda segundo o hospital, o setor de Ortopedia está operando mesmo com o adiamento das consultas agendadas, sendo atendidos apenas os casos de emergência, ou seja, aqueles cuja gravidade traga risco iminente à vida do paciente. Alguns casos de menor gravidade podem ser absorvidos pelos serviços da rede de atenção básica à saúde, os demais serão remarcados para atendimento na próxima semana, quando se espera a normalização do serviço.