Pílula contra o câncer também divide opiniões em Fernandópolis

20 de Agosto de 2025

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Pílula contra o câncer também divide opiniões em Fernandópolis

Fosfoetanolamina sintética. Esse é o nome do composto que mais uma vez ganhou as manchetes de jornais, revistas e programas televisivos nos últimos dias. E não é por menos, afinal, para alguns, seria ele a cura para o câncer. 
No entanto, não foi sua descoberta que o levou para os noticiários, mas sim a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, que deferiu uma liminar, no último dia 6, permitindo sua distribuição a um paciente com câncer, o que abriu precedente para centenas de outras ações com o mesmo objetivo.  
O Fosfoetanolamina, ou Fosfo como apelidado, foi descoberto na década de 90 pelo então coordenador do laboratório da USP de São Carlos, Gilberto Orivaldo Chierice. À época, a descoberta também ganhou destaque e os relatos de cura se espalharam por todo país.
O Fosfo seguiu em estudos por duas décadas e nesse período era distribuído na unidade de São Carlos da USP, até que a diretoria da universidade decidiu proibir a entrega das chamadas “pílulas milagrosas” em junho do ano passado. Entretanto, por liminares judiciais, a Universidade foi obrigada a fornecer o produto para os que a solicitam judicialmente. 
O grande “X” da questão, é que, apesar das centenas de relatos de cura, o Fosfoetanolamina nunca foi cientificamente testado - em humanos - como remédio contra câncer e, por isso, não foi regulamentado pela Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária -, o que divide opiniões. 
“A indústria farmacêutica é muito forte e, com certeza, não quer uma cura para o câncer, pois acredito que é a doença que mais movimenta financeiramente o setor. Por outro lado, o médico que cuida do meu caso há 20 anos é muito bom e de muita confiança. Se de fato existisse cura ele já teria me recomendado assim como a maioria dos médicos que atende pessoas com câncer, pois eles acompanham nosso sofrimento de perto”, disse Cândida Nogueira, presidente da AVCC – Associação dos Voluntários no Combate ao Câncer -, que há vinte anos luta contra um mieloma múltiplo. 
 Candinha, no entanto, lembrou que é preciso olhar pelo lado do paciente. Quando desacreditados pelos médicos, muitos, sem dúvida, buscariam qualquer alternativa.
“Não é só você que sofre com o câncer, é o filho, o marido ou esposa, toda a família. Se coloque no lugar de um paciente que já está com metástase e foi desacreditado pelo médico, o que ele teria a perder se tentasse um tratamento como esse?”, questionou. 
 EM FERNANDÓPOLIS 
 Não há registros no TJ – Tribunal de Justiça – de São Paulo, de fernandopolenses que tenham tentado obter o composto químico judicialmente. Porém, o advogado de Fernandópolis Ricardo Franco de Almeida, que coincidentemente também já lutou contra um câncer, disse ter sido procurado por dois clientes para que entrasse com a ação. 
“Tenho dois clientes, que fazem tratamento no Hospital do Câncer em Jales, que já me procuraram para entrar com esse tipo de ação, um é de Guarani d’Oeste e o outro de Santa Fé do Sul.Disse a eles que iria estudar o caso e que depois lhes dava um retorno. É uma situação muito complexa, pois o juiz não pode julgar com a emoção, mas sim com os ditames da lei e pelo que sei, essas pílulas não são reconhecidas como remédio e, portanto, não foram recomendadas por médicos como indispensável à vida do paciente. Mas estou estudando o caso e se encontrar alguma brecha a usarei”, disse o advogado. 
PREVENÇÃO 
A Fundação Pio XII, mantenedora do Hospital do Câncer de Barretos e outras sete unidades, incluindo a de Fernandópolis, ainda não se pronunciou oficialmente sobre o Fosfo, no entanto, o gerente a unidade de Fernandópolis do HC, Leonardo Crociari, afirma que o melhor remédio ainda é a prevenção. 
“Não existe remédio milagroso contra o câncer, cada caso é um caso. A Fundação Pio XII possui a maior parte dos canceres mapeados e para cada tipo é uma conduta médica diferente.  Não há mágica ou remédio milagroso e sim protocolos médicos a serem seguidos. A melhor opção ainda é e sempre será a prevenção, pois quando descoberto precocemente a chance de cura do câncer é muito maior”,  disse Crociari. 
USP 
Diante da polêmica que foi envolvida diante da descoberta, a USP - Universidade de São Paulo – emitiu uma nota oficial sobre o caso. Confira:
A USP foi envolvida, nos últimos meses, na polêmica do uso de uma substância química, a fosfoetanolamina, anunciada como cura para diversos tipos de cânceres. Por liminares judiciais, a Universidade foi obrigada a fornecer o produto para os que a solicitam. Em respeito aos doentes e seus familiares, a USP esclarece:
Essa substância não é remédio. Ela foi estudada na USP como um produto químico e não existe demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença: a USP não desenvolveu estudos sobre a ação do produto nos seres vivos, muito menos estudos clínicos controlados em humanos. Não há registro e autorização de uso dessa substância pela Anvisa e, portanto, ela não pode ser classificada como medicamento, tanto que não tem bula.
Além disso, não foi respeitada a exigência de que a entrega de medicamentos deve ser sempre feita de acordo com prescrição assinada por médico em pleno gozo de licença para a prática da medicina. Cabe ao médico assumir a responsabilidade legal, profissional e ética pela prescrição, pelo uso e efeitos colaterais – que, nesse caso, ainda não são conhecidos de forma conclusiva – e pelo acompanhamento do paciente.
Portanto, não se trata de detalhe burocrático o produto não estar registrado como remédio – ele não foi estudado para esse fim e não são conhecidas as consequências de seu uso.
É compreensível a angústia de pacientes e familiares acometidos de doença grave. Nessas situações, não é incomum o recurso a fórmulas mágicas, poções milagrosas ou abordagens inertes. Não raro essas condutas podem ser deletérias, levando o interessado a abandonar tratamentos que, de fato, podem ser efetivos ou trazer algum alívio. Nessas condições, pacientes e seus familiares aflitos se convertem em alvo fácil de exploradores oportunistas.
A USP não é uma indústria química ou farmacêutica. Não tem condições de produzir a substância em larga escala, para atender às centenas de liminares judiciais que recebeu nas últimas semanas. Mais ainda, a produção da substância em pauta, por ser artesanal, não atende aos requisitos nacionais e internacionais para a fabricação de medicamentos.
Por fim, alertamos que a substância fosfoetanolamina está disponível no mercado, produzida por indústrias químicas, e pode ser adquirida em grandes quantidades pelas autoridades públicas. Não há, pois, nenhuma justificativa para obrigar a USP a produzi-la sem garantia de qualidade.
Os mandados judiciais serão cumpridos, dentro da capacidade da Universidade. Ao mesmo tempo, a USP está verificando o possível envolvimento de docentes ou funcionários na difusão desse tipo de informação incorreta. Estuda, ainda, a possibilidade de denunciar, ao Ministério Público, os profissionais que estão se beneficiando do desespero e da fragilidade das famílias e dos pacientes.
Nada disso exclui, porém, que estudos clínicos suplementares possam ser desenvolvidos no âmbito desta Universidade, essencialmente dedicada à pesquisa e à ciência.
ANVISA 
 De acordo com levantamento realizado pela Anvisa, nenhum processo de registro de medicamento foi apresentado à Agência para que a fosfoetanolamina possa ser considerada um medicamento. A etapa é fundamental para que a eficácia e segurança do produto possa ser avaliada com base nos critérios científicos aceitos mundialmente.
Segundo a Nota Técnica publicada pela Agência também não há nenhum protocolo de pesquisa sobre o produto, etapa que antecede o registro de qualquer medicamento.