Os médicos Antonio Carlos de Souza Flumignan, Osni Renato Martins Luz e José Roberto Penna tiveram o desprazer de ser citados num processo-crime por homicídio culposo. Esse processo se refere ao caso de dezembro de 2007, quando duas gêmeas morreram por falta de vagas em UTIs neonatais da região. O controle desse serviço é feito pela Central de Vagas, sediada em Rio Preto. Nesta quinta-feira, CIDADÃO ouviu Flumignan e Osni, que se mostraram tristes e indignados com a realidade do serviço de saúde pública na sua área de atuação, a Obstetrícia, e garantiram que a situação não ficará melhor enquanto a unidade de terapia intensiva para recém-nascidos não for criada em Fernandópolis.
CIDADÃO: Como vocês encararam a citação num processo-crime?
FLUMIGNAN: O laudo do Instituto Médico Legal de São Paulo, assinado por cinco legistas, considerou nossa conduta satisfatória no caso da morte das gêmeas. Mesmo assim, fomos processados. Ficamos constrangidos. Eu tenho 35 anos de carreira, o Osni tem 31.
CIDADÃO: Matéria do jornal Folha de São Paulo do último dia 14 fala da morte de 37 crianças só este ano em Imperatriz, no Maranhão, por falta de UTI neonatal. As mortes das gêmeas de Fernandópolis se deveram à falta dessa UTI ou à falta de vagas para encaminhamento, que compete à Central de Regulação?
FLUMIGNAN: A tudo isso. Em 2005, recebi uma carta do vereador Alaor Pereira. Ele pedia uma estatística sobre natimortos em Fernandópolis. Já em 2005, alertei os vereadores sobre a necessidade de uma UTI neonatal em Fernandópolis. Até hoje não recebi resposta. A necessidade dessa UTI é notória, só quem trabalha aqui sabe o sufoco, o desespero que passamos. Permanecemos nesse trabalho porque necessitamos, senão iríamos fazer outra coisa.
OSNI: Foi feito um contrato Santa Casa/SUS, em que a Santa Casa consta como referência para gestação de alto risco com o compromisso de se fazer a UTI neonatal. Não tem como ser referência se não tem a unidade. Ainda não fizeram provavelmente porque ela é deficitária. Outro dia, li a notícia de que a UTI neonatal de Votuporanga teve R$ 63 mil de prejuízo num mês. Nossa situação é difícil, somos apenas cinco obstetras para sustentar todo o trabalho na Santa Casa eu, o Flumignan, o Penna, o Marcelo e a Morisa. Os outros desistiram. Tem sido constante essa coisa desagradável: ligamos para a Central, pedimos vaga, dizem que não tem; a família se desespera, nós nos envolvemos. Veja bem: a mãe das gêmeas não fez denúncia contra a gente só contra o governo. Inclusive, em agosto passado fiz um parto dela. No caso de 2007, ela viu que estávamos tentando de tudo para ajudá-la e às menininhas.
CIDADÃO: Quantas crianças nascem mensalmente na Santa Casa?
FLUMIGNAN: Na média, 80 ou 90 crianças por mês.
OSNI: O pessoal do SUS esteve aqui recentemente e disse que o hospital não comporta uma UTI neonatal. Disseram que iriam aumentar as vagas no Hospital de Base de Rio Preto. Tenho a sensação que é uma medida política. Recentemente, o Penna (José Roberto Penna, obstetra) teve um caso em que ele chamou a TV Tem. O próprio repórter entrou em contato com a Central de Vagas que lhe disse que havia prioridades, que iriam atender aos casos mais graves. Quando liberaram a vaga, a criança já tinha nascido e morrido.
FLUMIGNAN: A vida é mais importante do que o dinheiro, do que essa burocracia toda. Se resolverem o problema de Fernandópolis, resolvem o problema da região.
CIDADÃO: Fernandópolis não comporta uma UTI neonatal?
FLUMIGNAN: Lógico que comporta! Desde Santa Fé para cá, todos os municípios vêm pra Fernandópolis, além de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul. O SUS é nacional.
CIDADÃO: Vocês se sentem injustiçados?
OSNI: Eu me sinto, sim.
FLUMIGNAN: Sem dúvida. Olha, o Penna não pôde estar presente, mas pediu que eu lhe contasse um fato que aconteceu esta semana. Veio à Santa casa uma gestante que estava com 28 semanas de gestação. Era caso de alto risco, e o Penna, com muito sacrifício, conseguiu uma vaga em Jales e fez a transferência. A cesariana foi feita lá e a criança, embora pese apenas 1.070 kg, está muito bem. A vitória foi da UTI neonatal.